São Paulo, sexta-feira, 30 de maio de 1997
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Moradores de rua fazem guerra do fogo

FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL

Até então utilizado apenas para manter o cachimbo de crack aceso, o isqueiro está se tornando parte de uma arma nas mãos dos moradores de rua da região central da cidade de São Paulo, que estão queimando pessoas.
Para se defender da violência dos adultos, crianças de rua guardam garrafas com combustíveis ou tubos de desodorante para queimar quem atacar.
Ao acionar o isqueiro, o líquido inflamável se incendeia. A arma funciona como um pequeno lança-chamas.
Já os adultos, dizendo ter se inspirado no assassinato do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos -queimado vivo no mês passado, em Brasília (leia abaixo)-, usam a arma para marcar território na guerra do crack.
Quem invade os pontos de venda da droga de outro grupo está arriscado a acordar com o corpo em chamas.
A Folha percorreu ontem a região do centro conhecida como Crackolândia (área de vários quarteirões entre as ruas dos Timbiras e General Osório), onde dezenas de pessoas, muitos menores de idade, vagueiam em busca de uma lasquinha da droga -uma mistura de pasta de cocaína com bicarbonato- para fumar no cachimbo.
Alguns moradores de rua contam histórias de crianças que se defendem com o lança-chamas. Outros mostram a marca da violência em seu corpo (leia texto nesta página).
"Tem um rapazinho que dorme abraçado com o desodorante, o isqueiro e o cachimbo do crack. Outro dia um cara tentou roubar a pedra (de crack) dele e saiu com o cabelo queimando", disse Davids Adriano de Araújo, 20.
"Essas crianças pequenas têm de se defender de algum jeito e parece que descobriram um bom método", afirmou. Também viciado em crack, Araújo nega que use o lança-chamas para se defender. "A minha defesa é o cachimbo."
O balconista Ricardo Navarro, da Farmácia Sielo, que fica na rua dos Gusmões, disse que é comum os moradores de rua comprarem desodorantes com spray. "Depois da história do índio, todo mundo ficou esperto. Eu já vi muitos usarem com o isqueiro, mas é só de brincadeira", disse.
A menor A.R., 14, discorda. "Eu uso para me defender. Como não posso brigar com os adultos, jogo fogo na cara deles."

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