São Paulo, sexta-feira, 30 de maio de 1997
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Privatização das teles e o atendimento social

JAQUES WAGNER; WALTER PINHEIRO

JAQUES WAGNER
WALTER PINHEIRO
Mesmo com as graves denúncias de compra e venda de votos em favor da reeleição, publicadas pela Folha, envolvendo o ministro das Comunicações, Sérgio Motta, os governistas na Câmara dos Deputados mantiveram o calendário e votaram no último dia 20, na Comissão Especial, o projeto da Lei Geral das Telecomunicações (PL nº 2.648/96).
O projeto tem três objetivos básicos: a criação de uma agência reguladora que estabelecerá as diretrizes para o setor, a elaboração de uma nova definição para os serviços, criando as categorias de serviços públicos e privados, e, por último, a reestruturação do sistema Telebrás e sua privatização.
Para completar esse cenário, na comissão especial que analisou o projeto, o clima foi de absoluta revolta por parte da oposição, pois o relator desconsiderou, no essencial, as mais de cem emendas apresentadas. As propostas visavam aperfeiçoar o texto, dando garantia de acesso e qualidade nos serviços prestados à população mais carente.
Além disso, no dia da votação, os governistas, numa reunião noturna, rejeitaram em bloco todas as emendas individuais apresentadas. Muitos dos membros presentes foram vistos raramente na comissão, que esteve esvaziada na maioria das sessões.
O governo diz objetivar promover a competição no setor e fomentar o serviço universal, sendo o órgão regulador independente o principal instrumento. Com relação à competição, embora duvidemos dessa possibilidade em virtude da etapa atual do capitalismo mundial, reconhecemos sua importância e suas virtudes.
Nossa atenção estará concentrada no atendimento do serviço universal, tendo em vista sua importância para a diminuição das desigualdades regionais e de renda da sociedade brasileira.
De acordo com a exposição de motivos expressa no projeto de lei, a universalização dos serviços consiste, na verdade, na universalização do acesso aos serviços básicos. Ou seja, pressupõe-se o acesso ao serviço telefônico (telefones públicos, caixas postais etc.) e não mais a posse de linhas.
Já é possível notar o engodo embutido na propaganda que o ministro Sérgio Motta vem fazendo, pois as pessoas deixam de ser proprietárias das linhas telefônicas e passam a pagar um custo altíssimo, de R$ 300, pela taxa de instalação.
A partir desse momento, o usuário jamais verá o seu dinheiro de volta, como ocorre hoje. Por que essa taxa tão alta? Em Londrina (PR), para citar apenas um exemplo, o custo de instalação é de R$ 41,66.
Uma breve análise do relatório apresentado pelo deputado Alberto Goldman, relator do projeto aprovado na comissão especial, mostra que as propostas apresentadas não passam das intenções. O artigo 82, que trata das fontes de financiamento de serviço universal, é um exemplo notório do descompromisso do governo com o atendimento das necessidades da população mais carente e de seu engajamento no fortalecimento dos grandes oligopólios internacionais.
É estabelecido como fonte de financiamento das obrigações de serviço universal um fundo, a ser criado por uma lei que seria enviada ao Congresso no prazo de 180 dias, e é estabelecida a utilização de recursos do Orçamento da União, Estados e municípios.
De acordo com o projeto, enquanto o fundo citado não fosse criado seria permitida a utilização de subsídios cruzados (os mesmos que são condenados na Telebrás) e de adicionais à taxa de interconexão. O substitutivo apresentado ao projeto de lei incluiu, além das fontes anteriores, os recursos provenientes das outorgas. Não dá para entender porque o próprio projeto não criou esse fundo.
Percebem-se claramente as intenções do texto. De acordo com sua redação, recursos orçamentários poderiam ser utilizados e, atenção, recursos inclusive de Estados e municípios! O que poderá acontecer é a transferência para os municípios dos gastos com as obrigações do serviço universal.
Por outro lado, a inclusão dos recursos de outorga no financiamento do serviço universal causa um fenômeno bizarro: devolve-se ao operador privado os recursos por ele pagos para receber a concessão.
A nova lei de telecomunicações inviabilizará o acesso de usuários e o investimento de vários municípios. A criação do fundo previsto no projeto de lei é condição essencial para a consecução dos objetivos de atendimento social das telecomunicações. É socialmente justo que empresas com potencial de ganho tão elevado devam contribuir para o atendimento das regiões e populações menos favorecidas.
Fora do Congresso, mesmo antes da aprovação da lei, o governo vem executando os objetivos que estão mascarados no texto do projeto. O recente aumento da tarifa local amplia a certeza de que o objetivo principal do projeto é propiciar um ambiente de rentabilidade para os operadores privados.
Não é necessário ser um especialista para perceber que os maiores beneficiários da proposta são os grandes usuários, principalmente bancos e grandes empresas multinacionais, que apresentam elevado volume de ligações interurbanas e internacionais.
O mais irônico é o efeito sobre as ligações em telefones públicos. Enquanto o valor dos pulsos subiu 61,1%, o tempo de duração de cada ficha ou pulso, caiu de três para dois minutos, o que significa um aumento de 87,5% no custo de uma ligação pública de dois minutos.
Sendo esse serviço o principal foco dos objetivos de universalização, conforme apontamos, é curioso observar os aumentos que têm sido praticados justamente nos serviços de caráter social.
Não serão necessários mais exemplos para demonstrar os reais objetivos das reformas pretendidas pelo governo Fernando Henrique Cardoso no setor de telecomunicações, somados agora à pressa de ver a proposta aprovada, abafando-se as denúncias contra o ministro Sérgio Motta (amigo pessoal e tesoureiro da campanha do presidente): atender grandes capitais internacionais, o que se explicita na sua tentativa de ampliar a rentabilidade dos futuros donos do sistema Telebrás, por meio de um tarifaço, e do pouco caso com que vem sendo tratada a criação do fundo de universalização.

Jaques Wagner, 46, é deputado federal pelo PT/BA e membro da Comissão Especial de Telecomunicações da Câmara dos Deputados.

Walter Pinheiro, 37, é deputado federal pelo PT/BA e membro da Comissão Especial de Telecomunicações da Câmara dos Deputados.

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