São Paulo, sexta-feira, 30 de maio de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Razões da demora nas reformas

MAILSON DA NÓBREGA

A Folha divulgou em 26 deste mês documento atribuído ao governo sobre o comportamento da base parlamentar na Câmara, confirmando o que se sabia: não há maioria estável.
Tal base é constituída de 405 deputados, equivalente a 79% das cadeiras. Em países dotados de sistemas políticos avançados, seria uma maioria avassaladora.
A base efetiva é bem mais estreita. Apenas 131 deputados (25,5%) são considerados inteiramente confiáveis.
Dos deputados de partidos da situação, 46 (9%) são oposicionistas (sic). Além desses, 59 (11,5%) são indecisos -ora votam sim, ora votam não.
Essa é a realidade. No presidencialismo brasileiro, sem partidos dignos desse nome, as maiorias se formam caso a caso. Em geral, se constituem na véspera da votação.
Os partidos não exercem a função de agregar interesses. Cada deputado é dono de seu mandato. Pode votar como mandam seus interesses pessoais ou sua visão do mundo.
Assim, há na verdade uma oferta de 405 votos, dos quais 131 votam a favor e 274 (53,4% da Câmara) estão dispostos a negociar. Esta parcela pode votar ao lado dos 108 deputados da oposição (21%). No caso extremo, em vez de maioria haverá 74,4% contra.
A situação piora quando se considera que a verdadeira maioria não é de 50% dos votos mais um, mas de 60% mais um. É que no Brasil praticamente todas as reformas dependem de mudança constitucional, que exige esse quórum qualificado.
Quem percebe a necessidade das reformas, mas não entende esse imbróglio, se impacienta. Alguns debitam a demora à falta de vontade política.
No meio empresarial, há duas explicações muito aceitas para a demora. Ambas partem da idéia de que o presidente errou ao não usar no início toda a sua força eleitoral.
Na primeira versão, FHC deveria ter proposto todas as reformas no começo do mandato. A idéia, cesarista, admite que o prestígio inicial do presidente é capaz de superar inteiramente a ineficiência decisória do sistema político.
Na segunda, o presidente deveria ter proposto, de saída, a reforma política. Essa versão leva em conta as dificuldades derivadas da organização partidária, mas imagina que suas mazelas podem ser resolvidas instantaneamente pelos ecos da eleição presidencial.
Essas versões esquecem que FHC enfrentou maiores dificuldades no Congresso exatamente quando seu prestígio popular era superior ao do início do governo.
Recentemente, surgiu uma terceira versão: FHC poderia aplicar às reformas a mesma disposição demonstrada no caso da reeleição. Também aqui a análise é deficiente.
A reeleição exigia decisão plebiscitária (sim ou não) em torno de um princípio. Além disso, grande parte dos que a apoiavam via-se engajada em um projeto eleitoral com elevadas chances de vitória.
As demais reformas são complexas, não-plebiscitárias. Não há resposta simples nas reformas administrativa e previdenciária. Falam mais alto os interesses eleitorais, os quais não refletem necessariamente a vontade majoritária da sociedade.
Nesses casos, a maioria se estreita: os oposicionistas (?) da base parlamentar resistem e os que vivem do fisiologismo aumentam suas demandas.
Como explicar, diante disso, a aprovação das reformas da ordem econômica? Resposta: porque eram plebiscitárias e pouco afetavam as bases eleitorais. Como no fundo os deputados apoiavam as mudanças, não foi difícil votar a favor.
Em resumo, a maioria parlamentar funciona quando as decisões são simples e/ou não afetam interesses eleitorais.
Se fosse pelo quadro institucional, as reformas andariam muito mais lentamente. Se FHC entupisse a agenda, o efeito seria a paralisia.
Na realidade, os avanços até aqui se devem às demandas da opinião pública, um pouco ao amadurecimento da classe politica e muito à liderança pessoal do presidente.
Já foi grande o pessimismo quanto à nossa capacidade de reformar a Constituição de 1988. Muitos achavam que precisaríamos de um desastre social e econômico para convencer a classe política.
Agora, com a estabilidade e as mudanças culturais havidas, abandonou-se essa visão extrema, mas veio a impaciência. Julga-se, com alguma dose de razão, que o governo tem alguma culpa pela lentidão.
As reformas vão sair um dia. A dúvida é se elas virão a tempo de evitar a destruição das recentes conquistas da sociedade brasileira.

Texto Anterior: Novo embate; Aliança na Índia; Múlti brasileira; Chegando ao Brasil; Coelho pioneiro; No Mercosul; Sem terrorismo; Novo formato; Fórmula turbinada; Mais pedidos; Pé no acelerador; Aperto na margem; Leve e rápida; Ampliando a participação
Próximo Texto: Privatização das teles e o atendimento social
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.