São Paulo, sexta-feira, 30 de maio de 1997
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Obras fundamentais para entender Virginia

"Leva Meu Samba"
De: Ataulfo Alves e Suas Pastoras
Ano: 1956
Destaques: "Leva Meu Samba" (Ataulfo), "Atire a Primeira Pedra" (Ataulfo-Mário Lago), "Ai! Que Saudades da Amélia" (Ataulfo-Mário Lago)
Comentário: Houvesse estado por perto da gravação deste ou de qualquer outro disco de Ataulfo Alves, Virginia Rodrigues estaria certamente entre as pastoras que lhe fazem apoio vocal. "Terra Seca", do mineiro Ary Barroso -que Virginia canta-, é canção-irmã de muitas de Ataulfo, também mineiro -"Geme Negro", com sua narrativa de sofrimento dos negros escravizados, em especial.

"Dorival Caymmi e Seu Violão"
De: Dorival Caymmi
Ano: 1959
Destaques: "Canoeiro", "A Jangada Voltou Só", "É Doce Morrer no Mar", "O Mar", "O Vento", "A Lenda do Abaeté", "Noite de Temporal" (todas de Caymmi)
Daqui Virginia retirou "Noite de Temporal", casando a melodia épica de Dorival à melancolia vocal das pastoras de Ataulfo. É o resultado -capital em Virginia- da fronteira geográfica e emotiva entre Bahia e Minas Gerais.

"Nara"
De: Nara Leão
Ano: 1964
Destaques: "Diz Que Fui por Aí" (Zé Keti-H. Rocha), "O Morro (Feio Não É Bonito)" (Carlos Lyra-Gianfrancesco Guarnieri), "Luz Negra" (Nelson Cavaquinho-Hiraí Barros), "Berimbau" (Baden Powell-Vinicius de Moraes), "Maria Moita" (Carlos Lyra-Vinicius), "Consolação" (Baden Powell-Vinicius)
A mesma "Terra Seca", de Ary, vem ecoar no sul, com arranjo à moda da canção de protesto praticada pela carioca de classe média Nara Leão no início de sua carreira. Poemas como os de "Maria Moita" e "Consolação" comunicam-se com o canto negro sofrido de Virginia em "Lua, Lua, Lua, Lua" ou a bossa nova de "Manhã de Carnaval" (extraída do filme "Orfeu Negro"). "Adeus Batucada", de Synval Silva, poderia estar em qualquer disco da Nara dessa época.

"Maria Bethânia" (*)
De: Maria Bethânia
Ano: 1965
Destaques: "Só Eu Sei" (Batatinha-J. Luna), "Sol Negro" (Caetano Veloso), "Carcará" (João do Vale-José Candido), "Feiticeira" (d.p.), "X do Problema" (Noel Rosa), "Mora na Filosofia" (Arnaldo Passos-Monsueto Menezes)
Desse que é o primeiro disco de Maria Bethânia, Virginia extraiu a canção-oração "Sol Negro", marca de não poucas estréias: é das primeiras composições de Caetano, tem o jovem Jards Macalé no violão e aponta a chegada ao disco de Maria da Graça, futura Gal Costa. Na versão de Virginia, Milton Nascimento toma o lugar de Gal no dueto, trocando Bahia por Minas.

"Clementina de Jesus"
De: Clementina de Jesus
Ano: 1966
Destaques: "Barracao É Seu" (d.p.), "Garças Pardas" (Zé da Zilda-Cartola), "Esta Melodia" (Bubu-Jamelao)
Ritmo e voz marcante fizeram a estréia tardia de Clementina de Jesus em disco solo, então já com 64 anos de idade -pontos flagrantes de contato entre as duas cantoras. Em Clementina, no entanto, é o samba carioca que dialoga com saberes ancestrais como os de candomblé e cantos folclóricos. O disco conta com participações de nobres do samba como João da Gente, Paulo da Portela e o jovem Paulinho da Viola.

"Travessia"
De: Milton Nascimento
Ano: 1967
Destaques: "Travessia" (Milton-Fernando Brant), "Canção do Sal" (Milton), "Morro Velho" (Milton), "Outubro" (Milton-Fernando Brant)
"Travessia", o primeiro disco de Milton Nascimento, prova-o referência primeira no canto de Virginia, que assim mais uma vez pula a fronteira Bahia-Minas Gerais. O apego focal à terra e à natureza (no caso de Milton, ao bucolismo) faz com que suas vozes, tão diferentes, se interpenetrem e quase se confundam em "Sol Negro".

"Clara Nunes"
De: Clara Nunes
Ano: 1972
Destaques: "Alvorada no Morro" (Carlos Cachaça-Cartola-Hermínio Bello de Carvalho), "Morena do Mar" (Caymmi), "Ilu Ayê" (Cabana-Norival Reis), "Último Pau-de-Arara" (Venâncio-Corumba-J. Guimarães), "Vendedor de Caranguejo" (Gordurinha), "Clarice" (Caetano-Capinan)
Aqui se reencontra o elo perdido entre todas as influências femininas de Virginia. Filha musical de Clementina de Jesus e Elizeth Cardoso, Clara Nunes sintetiza como ninguém mais antes de Virginia a confluência Bahia-Minas. Nesse seu quinto disco, a mineira Clara soa baiana como ninguém no canto-chão de "Ilu Ayê", "Morena do Mar" e "Tributo aos Orixás" e homenageia Caetano tornando pré-tropicalista a tropicalista "Clarice".

"Jards Macalé" (*)
Artista: Jards Macalé
Ano: 1972
Destaques: "Farinha do Desprezo" (Macalé-Capinan), "Mal Secreto" (Macalé-Waly Salomão), "Movimento dos Barcos" (Macalé-Capinan), "Let's Play That" (Macalé-Torquato Neto)
É a estréia também tardia do cantor e compositor, que já estivera por trás de discos fundamentais de Bethânia, Gal e Caetano. Dele Virginia se aproxima pelo canto intuitivo, melancólico, nunca comprometido primordialmente com a melodia. Como em Macalé, a voz em Virginia é quase instrumento de percussão.

"Afro-Sambas - Baden Powell e Vinicius de Moraes" (*)
De: Paulo Bellinati e Mônica Salmaso
Ano: 1996
Destaques: "Consolação", "Labareda", "Canto de Ossanha", "Berimbau" (todas de Baden-Vinicius)
Já nos 90, esse disco é exemplo anterior a Virginia da prática do canto apegado às forças naturais. Mônica Salmaso ousa tomar cançoes que a voz pequena de Nara Leão tornara clássicas, transformando-as em entidades rituais, temperadas apenas pelos arranjos concisos de Paulo Bellinati. Virginia, em momentos como o antes samba-reggae "Negrume da Noite", radicaliza tal idéia, fundada em ritmo, solenidade e canto triste.

(*) Só os discos assinalados encontram-se em catálogo

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