São Paulo, sexta-feira, 30 de maio de 1997
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O ESTIGMA DA RUA

O termo "meninos de rua" herdou o estigma de seu irmão mais velho "menor", o qual substituiu na terminologia "correta" e relegou a jargões policiais. Parte do sentido de ambos remete a imagem de crianças a um universo de marginalidade. No entanto, um estudo do SOS Criança de São Paulo (órgão ligado à Secretaria de Estado da Criança, Família e Bem-Estar Social) revela que a maioria dos meninos de rua tem família, dorme em casa e estuda.
Ainda que, na origem, sugerisse algo mais ameno do que a frieza jurídica de "menor", a expressão "meninos de rua" transformou-se num conceito que faz algo mais do que simplesmente descrever um conjunto de garotos despossuídos; é também mais do que um símbolo da miséria. Embora sirva de bandeira caritativa, ou mesmo de impulso a políticas públicas mais estruturadas, o termo circunscreve e distorce um problema social bem mais amplo, ao mesmo tempo em que impregna o imaginário popular com uma visão viciada do que sejam essas crianças: apenas marginais, geral ou potencialmente perigosos.
É óbvio que parte desses meninos assalta e se droga. Mas o conceito "menino de rua" envolve cada um dos garotos reais numa névoa de crime e os segrega como problema pontual, a ser resolvido de uma tacada -"tirar todos os meninos da rua" é um chavão eleitoral- ou eliminado. Essa última opção chegou a ser levada a cabo em chacinas (Candelária), sem repugnar parte importante da população. Num dos programas "Você Decide" deste ano, da TV Globo, mais da metade dos espectadores optaram pela execução de um garoto que invadira armado o apartamento de uma militante de direitos infantis (podiam escolher o perdão ou a denúncia à polícia).
A pesquisa do SOS Criança indica que os meninos de rua, sem aspas, e seu comportamento são na verdade um traço indicador da miséria que afeta milhares de outras crianças e que a proposta de simplesmente "tirá-los das ruas" é paliativa, ocultando o âmago do problema.

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