São Paulo, sexta-feira, 30 de maio de 1997
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Sua excelência, o fax

JOSÉ SARNEY

Outro dia, estávamos a falar das descobertas eletrônicas que chegaram e revolucionaram nossas vidas. Eu, por mim, dizia o que mais me impressionou foi o fax. E desde a primeira vez que o vi. Aquela máquina rolando um papel e de lá saindo a mensagem que Napoleão Sabóia escrevia de Paris era coisa de bruxaria.
Agora, estou mais acostumado, mas nem por isso menos dependente. O fax tem me possibilitado manter esta coluna em dia, de qualquer lugar do mundo em que me encontre. Mando o original escrito à mão para minha secretária, em Brasília, que o datilografa; ele volta para a revisão e logo vai parar na Folha!
Antes do fax, eu achava que as descobertas mais fantásticas do homem eram a rede (invenção dos anjos), o chinelo (sobretudo velho) e o livro. Este jamais será superado. Com ele a gente aprende, viaja, vive e imagina tudo, se transubstancia na palavra escrita e arranja um amigo. Toda vez que estamos amolados, vamos atrás dele e logo estamos numa outra.
Mas assim não pensa o meu amigo Saulo Ramos. Ele acha que é o telefone -e sua versão mais alucinante, o telefone celular. Eu protesto, dizendo que o celular é uma descoberta que contraria os direitos humanos, principalmente a liberdade. Ninguém mais é livre. Ele encontra as pessoas em todo lugar, tolhe seus movimentos e incomoda os outros.
A velha máxima segundo a qual o meu direito termina onde começa o direito do outro não é respeitada pelo celular. Até no teatro, você concentrado no desfecho da peça, toca o telefone do seu vizinho, sem pedir licença nem modos.
Outro dia, contaram-me que um sujeito, que não tinha fama de inteligente, estava no motel quando o seu celular tocou. Era sua mulher. Ele, alucinado, respondeu: "Como você soube que eu estava aqui no motel?"
Mas a mais perigosa de todas essas descobertas, sem dúvida, é o gravador. Porque ele interfere no telefone e, segundo me afirmam entendidos nas coisas que o SNI antigamente fazia, até no fax. E ele caminha sem fronteiras.
Um jornalista com um gravador é um perigo sempre, e mais ainda um deputado zangado com um governador do Acre. Faz misérias, não respeita colegas nem instituições e, de repente, a Câmara toda a que ele pertence está sendo agravada pelo gravador.
Outras coisas que se conjugam também perigosamente são o rádio e o telefone. O Dinarte Mariz, nos idos de 1964, revolução braba, contava que, certa vez, ligou para o Benedito Valadares e começou a falar sobre generais e golpes.
Valadares, prudente, imediatamente cortou a conversa, dizendo: "Valadares não está!" "Como não está?!", retrucou Dinarte, "se eu estava falando com ele?" "Não está", disse Valadares. "E quem está falando aí?", perguntou finalmente o Dinarte. Valadares respondeu: "É o rádio..."
Assim, a vida política tem mais perigos do que antigamente: o fax, o celular, o gravador e as pesquisas.

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