São Paulo, sábado, 7 de junho de 1997
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A moral da crise

CRISTOVAM BUARQUE

A militância do PT está sofrendo de uma crise moral, mas deveria no lugar estar entendendo a moral de sua crise. A moral da crise do PT é que o partido está sem um projeto transformador do Brasil e aglutinante de sua militância.
Há duas características especiais nas denúncias contra o PT: primeiro, são feitas por militantes do próprio partido; segundo, têm repercussão muito maior do que se fossem contra outros partidos. Essas duas características têm as mesmas razões: o PT está sem uma utopia aglutinadora para sua militância e concentra-se na luta pela moralidade pública.
Quando um militante discorda, ele cai no denuncismo, por falta de um objetivo maior e de uma estratégia de longo prazo. A imprensa sente-se no direito, correto, de radicalizar no tratamento dos erros que em outros partidos seriam tolerados como coisa normal.
Essa crise de moralidade poderia abater o PT se fosse baseada em denúncias comprovadas e graves. Os ex-prefeitos petistas saem de seus governos tão ou mais pobres que antes; depois de duas vezes candidato a presidente, Lula é acusado de viver na casa de um compadre, enquanto outros candidatos vivem de sobras de campanha.
A militância e a população vão entender isso. O PT sobreviverá a esta crise. Mas outros militantes voltarão a acusar outros militantes, e a imprensa voltará a magnificar as denúncias. Caso não consiga se transformar em um partido maior que sua própria luta pela moralidade, o PT poderá, aí sim, ser abalado.
Quando surgiu, no regime militar, o PT era o partido heróico da organização dos trabalhadores; com a democratização, transformou-se no partido das reivindicações corporativas dos trabalhadores e da defesa da moralidade.
Com a estabilidade monetária e a crise social, não bastam reivindicações: o Brasil precisa de uma proposta transformadora abrangente para todo o país. O PT precisa entender seu papel de motor dessa transformação e que o pós-neoliberalismo não será mais o pré-neoliberalismo.
Esse é o desafio que pode nascer da crise de moral se o PT entender a moral da crise. E se mexer com sua militância. Nada será pior para o PT do que tentar esconder suas divergências. É preciso explicitá-las, mostrar ao povo o que nós somos, quem somos, para definir o que propomos ao Brasil.
Se assim fizermos, a crise será positiva, o PT sairá mais forte, menos dono da verdade, mais cônscio de suas limitações e mais desejoso de se transformar em um partido propositivo, que fale para a maioria silenciosa do povo e não apenas para as minorias barulhentas e denuncistas de grupos corporativos, que tenha a moralidade como parte do projeto e não como a razão de ser do partido.
Esse é o desafio: voltar a usar a estrela com o orgulho de quem tem uma proposta para construir um Brasil sem fome, com todas as crianças na escola e todas as escolas com qualidade, com uma modernidade comprometida com valores éticos. Tudo isso formulado por meio do mais intenso e aberto debate entre seus militantes em todo o país, coisa que o PT sabe fazer.

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