São Paulo, domingo, 8 de junho de 1997
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Defensor da democracia

ISAIAS RAW
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 1949, ainda estudante de medicina, tive, através da Folha, meu primeiro contato com José Reis. O Instituto Biológico era um dos mais importantes centros de pesquisas biomédicas do país, e Reis era o especialista em viroses das aves, importante por seu interesse econômico e como modelo para estudar as leucemias humanas.
Já naquela época, Reis encontrava outras formas de expressar seu múltiplo talento. Escrevia uma coluna semanal sobre ciência na Folha. Eu acabava de lançar Cultus, uma revista dedicada ao ensino das ciências, e foi Reis que, sem nos conhecermos, através de sua coluna, deu um forte apoio, que ajudou a consolidar a revista.
Seguiram-se os lançamentos dos kits, que permitiam a jovens realizar em suas casas experiências com materiais simples.
Novamente foi Reis que, através de sua coluna, impulsionou a iniciativa (ainda que reclamando da palavra kit). Estava lançada a idéia de levar às escolas um renovação do ensino das ciências, fazendo com que os alunos redescobrissem como funcionam os cientistas e aprendendo a pensar.
Partimos para um livro iniciação à ciência, que contou com a colaboração, crítica e sugestões de José Reis. Foi com esse livro que foi lançada a Editora da Universidade de Brasília.
O impacto da coluna de Reis, estimulando nos jovens o interesse pela ciência prossegue, mesmo agora que se tornou difícil até um mesmo a um cientista saber o que é feito em outras áreas.
Reis sempre encontrou uma forma de explicar a ciência com termos simples, para que todos compreendam. A Unesco lhe deu o Prêmio Kalinga de divulgação e o CNPq criou o Prêmio José Reis. Em 1964, tive a honra de sentar-me com Reis na mesa, quando a Folha comemorou a entrega do Prêmio Reitermeyer da Sociedade Internacional de Imprensa.
Por anos, Reis exerceu uma tarefa impossível: a de editar "Ciência e Cultura", revista da SBPC que recebia centenas de artigos, na maioria de principiantes. Eles tiveram seus artigos revisados por Reis, que criou uma verdadeira escola para ensinar a esses principiantes como relatar suas pesquisas, submetendo-as à comunidade. Reis deve ter editado mais de mil artigos.
Foi em 1964, durante a ditadura, que conheci a outra faceta de Reis, homem reservado, modesto e profundamente honesto. Ele tornara-se o editor da Folha. Como era um candidato imbatível para professor de bioquímica da Faculdade de Medicina da USP, tornei-me alvo do corporativismo medíocre que dominava a universidade.
Gama e Silva, o seu reitor, se tornava o jurista que criaria os Atos Institucionais, consolidando a ditadura. Em meio à repressão do regime de força, Reis, com a cobertura de Otávio Frias, transformou a Folha no baluarte da democracia e da justiça.
Foi a Folha quem publicou em meia página o telegrama dos Prêmios Nobel ao general Castelo Branco, exigindo que fosse solto da prisão militar e reintegrado na universidade e no IBECC.
Escrevia diariamente editais corajosos, desafiando o regime. Lembro-me de um, intitulado "Antiuniversitarismo", ilustrado com a caricatura de Gama e Silva lavando as mão como Pilatos.
Esses editoriais não apenas fustigaram a ditadura, mas o grupelho de professores e pesquisadores incompetentes que, utilizando o regime militar, queriam assumir o poder nas universidades e institutos, eliminando a competição dos mais capazes. A tradição de democracia conquistada pela Folha durante a ditadura permanece e continua vigilante. Mais uma vez ela me socorre, num novo surto de corporativismo medíocre. Permanece a conquista de Reis, com sua modesta coluna, de ter um jornal que dá ampla cobertura aos avanços da ciência, que tem impacto cada vez maior na sociedade e na vida de cada um.

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