São Paulo, domingo, 8 de junho de 1997
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Heróis prematuros

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - É quase invencível a tentação de tascar um "pobre do país que precisa de heróis", ao acompanhar o processo de beatificação do jovem tenista Gustavo Kuerten.
Mas vá lá, admitamos que os países precisem de fato de heróis e que eles, hoje, só estão disponíveis no território do esporte.
Ainda assim, é absolutamente notável a ânsia com que os brasileiros se atiram à caça de um novo Ayrton Senna, devidamente pautados pela Rede Globo de televisão.
Kuerten começou a ser beatificado ao chegar às semifinais do torneio de Roland Garros. Antigamente, reservava-se a cerimônia de iniciação no panteão dos heróis da pátria aos que ganhavam o título. Agora, basta que seja semifinalista.
Já é um sinal de que o país mediocrizou o seu nível de expectativas. Antes, o brasileiro parecia achar que não bastava participar, era preciso ser campeão, vice ao menos, em esportes nos quais o país tinha pouca tradição.
Agora, antes mesmo de ser semifinalista, Kuerten teve direito a tratamento de campeão, com a reportagem acompanhando a partida ao lado da mãe. Classificado para a final, então, até lágrima de técnico passou a valer.
Não vai nisso qualquer crítica ao valor do rapaz, da mãe e do técnico, que não têm culpa alguma no processo de beatificação. Cada uma fez a sua parte, muito bem, parabéns.
O problema é a urgência com que se busca inventar um novo herói. O piloto Rubens Barrichello já foi vítima do mesmo processo, com um resultado pouco agradável para ele: hoje, é folclorizado no "Casseta e Planeta".
Não sei se Ronaldinho não caiu em idêntica máquina de moer carne humana. Já faz um bocado de tempo que ele não exibe nem remotamente o brilho de seus primeiros momentos no Barcelona.
Será que o país anda tão mal das pernas que precisa colher seus heróis no pé, ainda verdes?

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