São Paulo, terça-feira, 10 de junho de 1997
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RIP

LUÍS PAULO ROSENBERG

O presidente assinou medida provisória extinguindo a Sunab. Vai mais longe, prometendo a revogação da lei delegada nº 4, em vigor desde 1962, que permite o tabelamento de preços, a desapropriação de estoques e a devassa nas empresas, sem mandato judicial.
Não se poderia imaginar coroamento mais solene para consagrar o reinado da estabilidade de preços.
Não porque o fim da inflação torne dispensável um instrumento potente, como justificam alguns funcionários da Fazenda. Sunab e lei delegada desaparecem junto com uma era retardada da nossa história econômica, quando se acreditava que o insaciável apetite por lucro do empresário poderia ser combatido com a intervenção direta no mercado: se o preço de um produto estava subindo muito, tabelamento nele!
O misto de ingenuidade e burrice subjacente a essa lógica propiciou espetáculos troglodíticos no passado, como a caça aos bois no Cruzado, a falta sistemática de leite tipo C e a quebra na indústria farmacêutica nacional.
O intervencionismo só era potente para gerar distorções, produzir escassez, alimentar a retórica dos demagogos e apaziguar a consciência da esquerda.
Estamos, portanto, enterrando um instrumento do atraso, que fomentava a corrupção e a criação de reizinhos tecnocratas, responsáveis pela gestão de preços na economia, com poder de vida e morte sobre as empresas.
Tais exéquias significam que, de agora em diante, o consumidor estará à mercê da voracidade do empresariado? Será que é isso que estamos comemorando?
Certamente não. O consumidor nunca esteve mais defendido da exploração monopolista do que agora.
Em primeiro lugar porque a abertura econômica entronizou a ameaça da importação do produto estrangeiro como substituto eficaz ao tabelamento de preços. Realmente, o empresário é um animal tão matreiro, sagaz e ganancioso que um fedelho nomeado por Brasília para vigiá-lo certamente será ludibriado.
Só mesmo outro empresário, igualmente manhoso, teria pique para mantê-lo na linha, fazendo marcação cerrada contra qualquer tentativa dele de aumentar preços.
Em segundo lugar, o consumidor tem a proteção governamental inteligente, decorrente da ação da Secretaria de Acompanhamento Econômico, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica e da Secretaria de Direito Econômico.
O que fazem essas agências? Garantem a prevalência da competição nos diversos mercados.
Reconhecendo que a concorrência é a garantia de que o consumidor não será explorado, essa trinca institucional vai à luta contra os empresários que procuram eliminar a concorrência em seus mercados.
E não se pode acusar a ação desses órgãos de tímida. Eles estão em luta contra o monopólio da Colgate, das montadoras de veículos, da Votorantim no cimento e da própria Vale do Rio Doce.
Há só um grupo de brasileiros que deve reclamar da decisão governamental: os 1.200 funcionários da Sunab, inúteis de papel passado, que esperneiam justificadamente pela perda da boquinha de tantos anos.
É esse o caminho da lógica. A ação pública deve substituir o fiscal corruptível que se escudava num preço tabelado para exercer o arbítrio pelo processo transparente conduzido contra os que tentarem sufocar a concorrência em seus mercados.

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