São Paulo, terça-feira, 10 de junho de 1997
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"Acredito muito na desobediência", diz atriz

LEON CAKOFF
EM PARIS

A atriz franco-portuguesa Maria de Medeiros fala à Folha sobre as dificuldades em produzir seu novo filme

"Acredito muito na desobediência", diz atriz
Leia abaixo trecho da entrevista exclusiva concedida à Folha, em Paris, pela atriz franco-portuguesa Maria de Medeiros, 31, que prepara seu segundo longa-metragem, "Capitães de Abril".
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Folha - Por que a Revolução dos Cravos ainda é um tema tabu?
Maria de Medeiros - É tabu porque ainda é uma história viva. Há também um sentimento de Édipo. A democracia chegou por meio de homens de guerra, homens perigosos. Fizeram aquilo tudo e deram o poder aos políticos, que depois negaram inconscientes os capitães que lhes deram o poder. Os capitães passaram a ser tratados como brutos e despreparados para a Guerra Fria.
Folha - Como você conheceu o capitão Maia?
Maria de Medeiros - Por meio de minha mãe, que é jornalista política, e do meu pai, que foi adido cultural de Portugal em Viena. Fui visitar Maia no quartel, antes de morrer, em 1992. "Aqui está tudo que escrevi sobre a revolução, minuto a minuto, e mais o que se passou na Guerra da África", disse, passando-me os seus manuscritos. Folha - O que veremos nestas 24 horas de revolução?
Maria de Medeiros - Começa à noite e acaba à noite. Na Rádio Clube Português, a canção proibida "Grândola, Vila Morena", de José Afonso, e o programa "A Noite É Nossa" foram escolhidos para ser a voz da revolução. Veremos que quem não tem uma ação fundamentada na ambição é catalogado como ingênuo. Platão dizia que governar devia ser um castigo e não um privilégio, algo que se faz porque se tem que fazer.
Vista à distância, não havia nada atrás dos capitães a empurrá-los. Eles abriram caminho para a reflexão sobre a liberdade.
Nesta história, um dos personagens afirma: "Não há quartel no mundo onde os problemas de comando e de hierarquia se resolvam segundo a opinião dos soldados".
Folha - Porque foi problemático armar a produção com Portugal?
Maria de Medeiros - Houve um filme antes -o ótimo "Bom Povo Português", de Rui Simões-, mas virou maldito, nunca mais o diretor conseguiu filmar. Levou tempo para conseguir os subsídios que faltavam em Portugal porque achavam que eu era uma criança. Mas o que eu reivindico é justamente o meu olhar de criança sobre a revolução. Curiosamente, o meu projeto era malvisto por civis.
Folha - O que mais se destaca nesta sua "visão de criança" e de mulher?
Maria de Medeiros - Não dá para seguir todas as ações, é claro. Um dos capitães é casado e tem o desprezo da mulher desde que voltou das guerras na África. Quando cai a noite, a revolução e os capitães já estavam "out". Aí entra a figura do Spinola, que é uma versão do Pinochet. O herói de um dia, o capitão Maia, já não tem mais forças.
Esta foi uma revolução sentimental. Uma coisa apareceu com muita força em Portugal, o divórcio, que deixou de ser proibido. No tumulto das liberdades amorosas recém-adquiridas, raros foram os casais que escaparam ao divórcio.
O roteiro que escrevi com Eve Deboise olha com atenção os sintomas da insurreição que se espalharam ao longo das 24 horas. Foi uma insurreição contra a hierarquia, e eu acredito muito na desobediência. E, hoje em dia, o que nos obriga a obedecer é o dinheiro. Ao fim dessas 24 horas, a vitória é da ambição.

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