São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 1997
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As inverdades inteiras

JANIO DE FREITAS

Das duas maneiras mais genéricas de negar a realidade, a audácia de buscar um avanço, apesar dos riscos, é uma tentativa de agir sobre o intolerável, para modificá-lo -com êxito ou não. A outra atitude é a fuga, que consiste em recusar-se a ver a realidade que está diante do nariz, imaginando-a diferente. É uma atitude passiva, que não recusa a realidade: aceita-a, por conveniência ou por covardia, e modifica só o modo de racionalizá-la ou descrevê-la.
Pode-se então aceitar que Fernando Henrique Cardoso esteja sendo sincero, embora não verdadeiro, na reação à entrevista e ao discurso do senador Pedro Simon, para quem o governo e o presidente estão sob o predomínio de Antonio Carlos Magalhães, Inocêncio Oliveira e Luís Eduardo Magalhães, coadjuvados pelo restante do PFL.
Se Fernando Henrique vem a público para dizer frases como "o governo é comandado por mim" e "quem manda no governo é o presidente e ninguém mais", está claro que atende a uma necessidade sua. Nenhum comandante seguro da sua condição precisa dizer que o comando é seu. Necessidades e afirmações assim exprimem o inverso do que aparentam. Resultam da impossibilidade de olhar e ver a realidade incômoda. Não se concebe que Fernando Henrique, com a apreciação maravilhosa que faz de si mesmo, reconhecesse que acabou se fazendo dependente de segundos e terceiros.
Já em outra parte das considerações irritadas que o senador Pedro Simon lhe provocou, Fernando Henrique não foi verdadeiro, como também não fora na primeira, e nem ao menos sincero. Contrariado com a insistência de Simon em um plebiscito para aprovar ou não a reeleição, Fernando Henrique argumentou que "o artigo 49, inciso V (da Constituição), diz o seguinte: é competência exclusiva do Congresso propor referendo e plebiscito; portanto, como presidente não posso propor nada disso". Uma frase mais: "Acho que o senador Pedro Simon não leu a Constituição".
Não acho que Fernando Henrique não leu a Constituição: digo que não leu, e não está dizendo a verdade quando finge conhecê-la, ou leu e não está dizendo a verdade ao citá-la. O inciso constitucional citado por Fernando Henrique não faz qualquer menção a referendo, plebiscito ou algo semelhante.
Além disso, não existe, na Constituição, a "competência exclusiva do Congresso" em relação a referendo e plebiscito. A atribuição do Congresso, nos termos constitucionais, é para "autorizar referendo e convocar plebiscito". O que não impede o presidente de propor um ou outro ao Congresso, como fica evidente nos demais incisos sobre autorizações. Para dar um exemplo: ao Congresso compete "autorizar o presidente e o vice-presidente a se ausentarem do país", em viagens por mais de 15 dias, mas a autorização é pedida pelo presidente.
Se criou para si o meio poder, Fernando Henrique poderia contentar-se em dar-nos pelo menos meias verdades.

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