São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 1997
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Etelvina

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Dou de barato que o presidente da República, pela força de sua caneta -que representa o estágio final dos apetites em jogo-, ainda detém o poder administrativo, sobretudo agora, quando o governo atua como simples entidade vegetativa. De dois em dois meses, o ministro Kandir anuncia metas que já foram anunciadas. A única meta que importou ao governo foi o continuísmo, por meio da reeleição.
Quanto ao poder político, o furo é mais em cima. Tivemos a confissão do próprio presidente: quem manda é ele. No passado recente, os humoristas da praça Tiradentes pelo menos uma vez por ano faziam uma peça com o título "Quem manda aqui sou eu", com múltiplas variantes -por exemplo, "Quem veste as calças aqui sou eu, Etelvina".
Tema recorrente do "vaudeville", o título e a intenção das peças buscavam proclamar o domínio da mulher no universo doméstico. Domínio que se exercia nas coxias de cada lar, tornando o chamado chefe de família um ser desprezível, um banana, sem autoridade para decidir se haveria carne ou peixe no jantar.
Quando FHC, semana passada, invocou a mesma função ("quem manda no governo sou eu"), tornou explícito o que todos suspeitávamos. Antes, parecia que a coligação PFL-PSDB era poderosa. O PMDB corria por fora, ciscando e pegando migalhas. Nas horas de abafo, para aprovar a reeleição, por exemplo, entrava em cena o Serjão, com os conhecidos argumentos de sua mala preta.
Na verdade, quem continua mandando é a velha classe que está no poder desde 64. Depurada dos militares, ela se concentra esquematicamente no PFL de hoje. O PSDB insiste em enquadrar o presidente dentro daquilo que pomposamente denomina de "programa partidário".
Foi para eles que FHC avisou que quem manda no governo é ele. Como a Etelvina da praça Tiradentes, o PFL é o primeiro a concordar.

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