São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
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Paciente é despido em corredor

DA ENVIADA ESPECIAL AO RIO

A socióloga Márcia Fróes Skaba passou o 2º semestre de 95 visitando a emergência do hospital Miguel Couto. Tudo o que observava era registrado em um diário de campo, que mais tarde foi transformado em dissertação de mestrado, parte da pesquisa do Claves.
O depoimento a seguir foi registrado em 29 de outubro de 95.
*
"...entra pelo Politrauma outro homem, com uma fratura exposta. Ao contrário da passividade em que se encontrava o paciente anterior, este gritava muito pedindo socorro, pois sentia muita dor.
Uma jovem médica se dirige a ele imediatamente. Ela é impassível e o máximo que faz é perguntar: "O que foi que aconteceu?" Ele diz que foi atropelado em Realengo. Que já tinha ido ao Hospital Olivério Kraemer, ao Hospital Getúlio Vargas, Souza Aguiar e que não suportava mais a dor.
Ela começa a examiná-lo. Ele já tem uma atadura na perna. Sem o menor respeito à privacidade do rapaz, ela começa a despi-lo, vai tirando sua roupa, num gesto que, no limite, parece um filme erótico.
Ela não olha para o rapaz. Ouve coração, verifica com os dedos a pulsação na virilha, no pescoço, mas não tem diálogo algum com o homem que agora encontra-se totalmente desesperado e despido.
Ele tenta cobrir suas partes íntimas com um pedaço de toalha que antes servia para secar seu suor. Quando ele se percebe nu, aí é que começa a gritar mais. O constrangimento daquele jovem é revoltante. Será que ninguém vai explicar-lhe a necessidade de investigar outros danos em seu corpo?
Chegam outros médicos. (...). É um ambiente horrível. O rapaz grita. O residente dá as ordens, canta, assovia, brinca, como se não ouvisse os gritos daquele homem. Aqui cabe uma observação: este médico, que parece ser quem define o que vai ser feito, apesar de assoviar etc, parece estar preocupado com a fratura.
Eventualmente, faz alguma pergunta médica, observa por muito tempo a fratura, providencia a cirurgia. A idéia que tenho é que ele está muito preocupado com a doença, mas não se preocupa nem um pouco com o doente. Em momento algum lhe comunicam a decisão de operar."

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