São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
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O caso Madre Carmelita

LUÍS NASSIF

Em 1992, a Escola Estadual Madre Carmelita, na região da Pampulha, em Belo Horizonte, estava caindo aos pedaços. As classe não tinham mais portas, carteiras e janelas. As paredes não recebiam pintura desde 1970, quando a escola foi inaugurada. Não existia biblioteca, nem cozinha para aquecer a merenda escolar. O laboratório era uma sala pelada, sem pia. Os índices de repetência e desistência chegavam a 30%.
Anualmente, entre 1.200 e 1.300 alunos se matriculavam na escola. No final do ano, eram apenas 900 a 1.000 os sobreviventes.
No ano passado, os índices de repetência e evasão haviam caído para menos de 8%. A fila de matrícula foi tão grande que 1.600 alunos conseguiram entrar, mas foi impossível levantar o número de pedidos não-atendidos por falta de vagas.
A limpeza é irrepreensível. Há três laboratórios impecáveis, uma biblioteca bem aparelhada, uma quadra de esportes de primeira, paredes limpas, carteiras conservadas. E de seis a oito comitivas por mês, de todo o Brasil, com pessoas querendo entender o milagre ocorrido.
Nos pátios, uma rapaziadinha humilde, alguns quase favelados, chegam limpíssimos às aulas, com o amor-próprio nas alturas. Ao contrário de outros tempos, passaram a encarar de igual para igual os colegas e adversários do vizinho Colégio Pitágoras, que abriga as crianças da classe média da região.
Identificando o problema
A experiência do Madre Carmelita teve início naquele ano de 1992, quando consultores da Fundação Christiano Ottoni entraram em contato com a direção da escola propondo desenvolver um programa de qualidade total.
Na primeira semana de maio, os professores receberam o curso de 40 horas, onde se explicava como utilizar os instrumentos da qualidade total. No início de junho aconteceram as primeiras reuniões na escola.
O primeiro passo foi identificar claramente o problema a ser trabalhado: diminuir o índice de evasão e repetência.
Identificado o problema, teve início a segunda etapa: os levantamentos estatísticos da escola. Os primeiros levantamentos revelaram que repetência e evasão atingiam quase 30% dos alunos anualmente. Em seguida, definiram-se metas para, até 1996, baixar o índice para 10%.
A escola montou um plano de ação, orçamento e investimento, responsáveis por cada ação, prazos e necessidades de recursos. De posse do plano, a escola saiu atrás de empresas dispostas a colaborar. Com indicadores e metas claras, criou-se um ambiente de colaboração entre professores, pais e alunos que ajudou a romper o círculo vicioso. As festas para arrecadar dinheiro e as doações começaram a se multiplicar.
Metas negociadas
A escola passou a trabalhar em cima de indicadores de qualidade e com metas explícitas, negociadas entre alunos e professores.
Na sala dos professores e no pátio da escola há um quadro com todos os indicadores e gráficos.
Anualmente, computam-se os dados, e professores e alunos discutem maneiras de melhorar ainda mais os resultados.
As experiências desenvolvidas pela escola resultaram em três livros. O primeiro foi "Escola: solucionando problemas e melhorando resultados". O livro explica os princípios da qualidade total, mostra como analisar a escola e como implementar a gestão participativa para solucionar problemas.
O segundo foi "Como praticar os 5S na escola". O terceiro, "O painel da escola, um instrumento de gestão à vista", ensinando como criar os indicadores, em torno dos quais cada escola fixará suas metas.
Método pedagógico
Na primeira etapa, a escola se limitou a perseguir índices de qualidade dentro dos padrões pedagógicos em vigor. Dois anos depois de iniciado o programa, já tinha alcançado a meta de reduzir os índices de evasão e repetência para menos de 10%.
A partir de 1996, com a tecnologia dos indicadores sob controle, e os alunos com voz ativa nas reuniões, decidiu avançar, e passar a discutir o próprio método pedagógico. Os alunos reclamavam das aulas insossas, convencionais, da falta de vontade dos professores em ensinar.
De comum acordo, decidiu-se adotar um método pedagógico integrado. Periodicamente, definem-se temas (como ecologia, lixo reciclado etc.) e as matérias versam sobre o tema, da Matemática à Geografia.
Além disso, foi firmado um pacto de convivência entre professores e alunos. Cada grupo definiu dez exigências em relação ao outro grupo. O pacto foi firmado em uma solenidade com direito a Hino Nacional. O decálogo foi afixado em todas as classes.
E aí aquele grupo de alunos, que alguns anos atrás entrava envergonhado na escola, interpretando como um presente de políticos o que era seu, de pleno direito, que muitas vezes se matriculava apenas como condição para conseguir emprego, ou ter acesso a uma merenda escolar, colocou como um dos compromissos dos professores "não levantar a voz contra os alunos".
"Habemus" cidadãos.

Email: lnassif@uol.com.br

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