São Paulo, segunda-feira, 23 de junho de 1997
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Se intercâmbio fosse bom, gringo também faria

GUSTAVO IOSCHPE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Por que intercâmbios para os Estados Unidos são coisa tão popular entre a juventude brasileira permanece pra mim um mistério maior do que a existência do ET de Varginha.
Acho que talvez seja masoquismo de brasileiro, acostumado com essa vida mansa dos trópicos, querer um pouco de sofrimento, neve e mulheres gordas. Mas eu me explico.
Em primeiro lugar, intercâmbio não tem nada de intercâmbio. Há muito tempo, ainda havia alguns americanos que vinham ao Brasil para cumprir a sua parte do acordo e aprender um pouco da cultura brasileira. Mas esses poucos bravos estão se dando conta de que é melhor ficar calminho comendo pirulito lá em Wisconsin do que vir pra cá e se preocupar com elementos de nossa vida, como balas perdidas e precatórios. Hoje, a parte "inter" foi pro saco: gringo não se arrisca; só tapuia é que se presta a esses programas.
A desculpa de passar meio ou um ano em lugares interessantíssimos, como Arkansas (o Sergipe americano) e Delaware (mais parado que água de poço), é aprender inglês e ter uma vivência nova, uma aventura.
Quanto ao inglês, até faz sentido. O problema é que, depois de uns dois meses desiludido com o American Way of Life, a maioria dos intercambistas acaba pedindo asilo numa comunidade de cubanos traficantes de charuto e o que acaba aprendendo mesmo é portunhol.
Mesmo que essa fuga não aconteça, vale lembrar que nos lugares para onde os intercambistas brasileiros são mandados (Tennessee, Alabama, Arkansas etc.) as pessoas falam inglês com tamanha eloquência quanto jogador de futebol de terceira divisão ("é, u jogo tava difícir, mais nóis demo aquele gáis i siguimo as orientação do professor e com a força de Deus conseguimu essi resultado i..."). Vale mais a pena fazer um curso vagabundo por aqui mesmo e falar com sotaque de brasileiro, porque com o sotaque de caipira eles vão gozar da sua cara sem ao menos perguntar sobre futebol e mulheres antes.
O mais intrigante dessa missão dos intercambistas é, contudo, essa idéia de ter uma grande experiência de vida.
O negócio é o seguinte: a sua família americana não o vê como um estudante ávido por saber; ela o vê como uma isenção fiscal, porque receber "algo" de um lugar exótico como o Brasil significa uns descontos nos impostos. Por isso, se te derem a mesma comida que o Rex, já é alguma coisa.
As famílias desses programas de intercâmbio não estão, na maioria das vezes, muito preocupadas com você. Poderia ficar contando aqui 1 milhão de casos de amigos que se deram mal, mas deixe-me escolher três que me parecem ilustrativos.
O primeiro é de uma prima, que foi animada para sua casa americana. Chegando lá, descobriu que se tratava de uma base aérea, onde só faltava cada um ter um megafone pra se comunicar no meio dos ruídos de aviões (pra quem vê tudo pelo lado positivo: não precisava nem de despertador. Aliás, nem de cama, porque dormir com aquele barulho requeria prática de anos).
Sua mãe americana era, na verdade, uma filipina que algum militar americano havia embarrigado em uma operação e fora forçado a trazer pros EUA. Não se sabe se a mulher já era louca em seu país de origem ou se despirocou com o barulho dos aviões, mas o fato é que era uma pirada, que xingava a minha prima o dia inteiro, nas poucas semanas em que durou esse interlúdio.
Outro caso é o de um amigo que foi mandado pro Arkansas. Judeu, foi levado logo de chegada para a recepção do papa. Ficou uns dois dias em ônibus de peregrinos (olha só que maravilha!) sob um calor de uns 50° C, onde a única atividade disponível era desmaiar, o que logo se tornou muito comum. Depois, ficou umas dez horas esmagado para ver o santo homem, em uma experiência realmente inesquecível.
O resto do intercâmbio continuou no mesmo ritmo, tanto é que, quando perguntado sobre se havia gostado do programa, ele se limitava a dizer: "O show do Pearl Jam tava ótimo".
O último é de uma menina que -juro que é verdade- foi parar num puteiro. Obviamente, esperava-se que ela comparecesse com o velho charme da mulher brasileira. Sua sorte foi que o namorado estava por lá e a resgatou.
Claro que esses são casos raros, mas a constante do intercâmbio é gente que volta falando inglês tão bem quanto antes de ir e com uma experiência de vida mais inútil do que xampu pra careca. Até parece que havia um movimento pra requisitar carteirinha da Funai junto com os vistos e passaporte, porque pra uma indiada dessas tem de ter coração forte e um certo preparo. Coisa pra profissional.

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