São Paulo, terça-feira, 24 de junho de 1997
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'Tenho pena desses meninos', diz criador

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Carlos Estevam Martins, 63, membro fundador e primeiro presidente do CPC da UNE, nos anos 60, foi convidado pela Umes a colaborar com a iniciativa, mas declinou. "Sinceramente, sou muito cético em relação a qualquer coisa que se faça hoje, pela fragmentação da vida pública que vivemos."
Mas ele diz não se contrapor à idéia de recriação do CPC. "Acho importante que eles façam isso, desde que consigam avançar. É preciso pensar no que fazer com base na situação atual, não dá para repetir o que houve há 30 anos."
Hoje funcionário público da Fundap (Fundação para o Desenvolvimento da Administração Pública), órgão do governo estadual, Martins funda seu ceticismo no processo de "domesticação dos movimentos sociais por que o Brasil tem passado".
"Na época, o valor da participação era fundamental. Hoje, a liberdade é o valor máximo, o que leva ao puro individualismo. Tenho pena desses meninos. Mas torço por eles."
Professor de ciências sociais na USP, Martins reclama da incompreensão que diz cercar o CPC -frequentemente identificado como populista e maniqueísta. "Não queríamos imitar a cultura do povo. Pegávamos as formas da cultura do povo para transmitir outros conteúdos, praticando cultura popular revolucionária."
O momento pós-golpe de 64, para ele, foi de derivação. "Movimentos como o tropicalismo já eram de pura perda de substância política. Tal perda é lamentável."
João das Neves
Também egresso do primeiro CPC, em que dirigia o setor de teatro de rua, criando montagens para praças e portas de fábricas, o diretor teatral João das Neves, 63, relativiza a volta nos anos 90.
"Não vejo muito sentido na volta pura e simples, se for nos mesmos moldes de antes. Mas se houver inquietação, sim. É auspicioso a moçada se mobilizar, mas sem esquecer a experiência antiga."
João das Neves defende o caldo cultural em que se fermentou o primeiro CPC. "Era um fórum de discussões e realizações em todos os níveis, havia atividade criativa todo dia. E, diferentemente do que se pensa, havia muitas vertentes diferentes, algumas equivocadas, mas nenhuma predominante."
A história, segundo ele, registrou a proposta filosófica de Carlos Estevam, por meio de documento interno que ele redigiu. "É tomado como linha mestra, mas não era. Sempre achei equivocada sua visão sobre cultura popular revolucionária, de considerar alienadas as manifestações populares espontâneas."
O diretor prefere se manter afastado de qualquer tentativa de recapitulação daquele momento. Tem dirigido montagens como "Tributo a Chico Mendes" (encenada com seringueiros, no Acre) e "Primeiras Histórias", de Guimarães Rosa (com alunos de artes cênicas da Unicamp), e o show da cantora mineira Titane.
(PAS)

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