São Paulo, sábado, 28 de junho de 1997
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A volta ao feijão com arroz

NEIVA MOREIRA

Desde a Nova República, o Brasil já passou por alguns planos de estabilização. Todos prometeram maravilhas, da inflação suíça com desenvolvimento japonês à equiparação de nossa tateante moeda ao dólar americano -promessa do Real. Os primeiros fracassaram. O Real continua, mas já dá mostras de que não atende os interesses nacionais.
Todos baixaram a inflação. O Cruzado chegou a comemorar taxa abaixo de zero. O Real, mais modesto, a contém nos dois dígitos. Mas a que custo? Políticas financeiras artificiais e relegação da questão social.
Não é mera coincidência as mortes nas filas e a cena dos enfermos despejados nos corredores de hospitais públicos terem tido início no primeiro plano, o Cruzado, em 1986, e se multiplicado ao longo dos sucedâneos. Foi também no primeiro plano que começou o desmantelo de agricultura, indústria, escola pública, transportes. Houve muitas falências, o desemprego iniciou sua explosão. Com o Real, essa situação só fez agravar-se. Em São Paulo, há 1,4 milhão de desempregados.
Passamos, então, a viver em crise permanente, com o Estado sem dinheiro, a não ser para pagar as contas e financiar o furor consumista. Estados e municípios ficaram à míngua. Em Alagoas, 90% dos efetivos da PM tiveram de vender suas armas para comprar comida, porque seus salários, já miseráveis, estavam atrasados havia sete meses. Naquele Estado, o ano letivo ainda não começou, porque os professores também estão com o pagamento atrasado.
Alagoas é um caso aparentemente isolado, mas seu exemplo tende a se disseminar. Por quê? Porque o Real, como os outros planos mencionados, é voltado para um modelo equivocado.
Esses planos foram todos concebidos por economistas com a cabeça em Harvard e Chicago, não levando em conta a realidade brasileira. Em vez de se concentrarem num modelo de desenvolvimento autônomo, seus autores tomam como modelo a pujança econômica e os interesses dos países ricos.
O Brasil é um país cheio de contrastes, exacerbados sobretudo pela experiência do Real, que multiplicou por três a dívida pública (de US$ 62 bilhões em 94 para US$ 190 bilhões em 97). A balança comercial, que em 1993 era superavitária em US$ 13 bilhões, está deficitária, em 1997, em US$ 10 bilhões.
As nossas decantadas reservas externas são um blefe, pois, dos US$ 51 bilhões de que se orgulha o governo, cerca de US$ 41 bilhões constituem capital volátil, que entra no dia e sai no outro, ao sinal da menor crise.
O dinheiro das privatizações é outro logro. O governo despendeu US$ 3,8 bilhões para "sanear" CSN, Cosipa, Embraer e Açominas, vendidas por apenas US$ 2,8 bilhões, US$ 2,2 bilhões em títulos podres. Tudo isso explica por que a febre do consumo deu lugar à inadimplência, e o povo, que podia tomar iogurte, como alardeava a propaganda oficialista, agora volta ao feijão com arroz, e o Real, em baixa, é uma das causas da crescente impopularidade do presidente da República.

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