São Paulo, sábado, 28 de junho de 1997
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O moedor de carne

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Compromissos fora do Rio e fiquei sem acompanhar o noticiário nacional -que, aliás, passou muito bem sem os meus comentários. Com algum atraso, tomei conhecimento da última bravata presidencial. Ele se comparou a Campos Sales e, mais uma vez, a JK, achando-se uma gentil mistura dos dois.
A presunção, como a água benta, é grátis, toma quem quer e quanto quer. Reduzindo a crítica histórica a um esquema, simplista como todos os esquemas, admitamos que Campos Sales governou com austeridade financeira, amealhando aquilo que mais tarde, ainda esquematicamente, Rodrigues Alves gastaria.
JK foi o oposto, o perdulário que inventou a inflação e hipotecou o futuro nacional fazendo obras que alguns consideravam faraônicas, mas que bem ou mal marcaram a nossa mais articulada onda de desenvolvimento.
FHC não é austero em termos de governo. Gasta muito e mal. Arquivou o desenvolvimento e considera a política social a expressão máxima do populismo varguista, o lixo que atrapalha a higiene neoliberal.
Suas prioridades são contábeis, dignas de um guarda-livros provinciano. Quer apresentar seu governo no cenário internacional como atento cumpridor de uma contabilidade que está assassinando milhões de pessoas em todo o mundo, Brasil inclusive. Não poupa, como Campos Sales, pois continua gastando em programas como o da assistência aos bancos. O sistema financeiro é o Moloch que deve ser preservado. O homem é supérfluo.
Quanto a JK, a diferença é mais brutal ainda. Nem exige comentário. Temos assim que FHC repete aquela história atribuída a um português. Depois de anos no Brasil, ele voltou a Trás-os-Montes e tentava explicar a um compadre o que era um rádio. Depois de espremer a cabeça em busca de uma comparação, saiu com esta verdade: "Sabe como é um moedor de carne? Pois o rádio é bastante diferente".

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