São Paulo, segunda-feira, 30 de junho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Campanhas contra o cigarro

HELCIO EMERICH

As estatísticas confirmam o que todo o mundo já sabe: fumar mata. Veja o exemplo da Europa, onde (segundo estudos do instituto ERC Statitistics International, do Reino Unido, especializado em pesquisas e informações de mercado) quase meio milhão de homens e mulheres morre por ano em consequência de doenças provocadas pelo fumo. Mas não acredite nas boas intenções das campanhas dos organismos oficiais de saúde contra o cigarro. Em todo o mundo, a bandeira dessa cruzada é um véu de hipocrisia.
O fumo mata, mas cria empregos. Na mesma Europa, 1,5 milhão de pessoas trabalha na indústria do tabaco. Desestimular o consumo do cigarro pode significar a perda de milhares de postos de trabalho, e isso incomoda autoridades e políticos. Já chega o desemprego causado pela automação das fábricas: entre 1984 e 1994, só no Reino Unido, 30 mil trabalhadores foram para a rua como consequência da modernização da indústria.
O fumo é uma mina de ouro em termos de arrecadação de impostos. Na Dinamarca, 84% do preço final de cada maço de cigarros vai parar nos cofres do governo, para ajudar a financiar obras públicas e programas sociais (no Brasil, 74%). Na Grécia, 8% de toda a receita do país vem dos impostos sobre o cigarro.
Os ministros da saúde da Europa também advertem que fumar pode acabar em câncer e moléstias coronárias. Mas seus colegas da agricultura não levam isso muito a sério: 200 mil fumicultores no continente europeu recebem generosos subsídios governamentais para aumentar a produtividade das suas lavouras e para desenvolver novas variedades de fumo. Bem-vindo ao homem de Marlboro.
Se você vivesse na Inglaterra ou na Itália e resolvesse processar uma fábrica de cigarros por ter contraído alguma doença causada pelo fumo, suas chances de ganhar alguma indenização seriam iguais a zero. A Justiça inglesa tem ficado sistematicamente ao lado dos fabricantes e, na Itália, o sistema legal é tão antiquado e burocrático que ninguém até agora se animou a acionar seja uma indústria privada, seja a poderosa estatal do cigarro, a AAMS.
A União Européia quer a proibição da propaganda do fumo; 14 países já baniram totalmente as campanhas de cigarros da TV e do rádio. Mas, com as honrosas exceções de Portugal e Finlândia, os governos nacionais dos demais países resistem bravamente à idéia de banir a publicidade da mídia impressa, do ponto-de-venda, dos outdoors e dos patrocínios de eventos.
Diante de tanta ambiguidade oficial, ninguém pode garantir que a propaganda antifumo esteja cumprindo seus objetivos. A própria ERC, ao revelar que o consumo do produto tem declinado na Europa, atribui essa tendência muito mais aos aumentos dos preços dos cigarros (onerados pela taxação) do que aos US$ 15 milhões anuais investidos no continente em campanhas para combater o hábito (ou o vício, como queiram) de fumar.

Texto Anterior: Mitos do franchising (2)
Próximo Texto: A Internet e o controle social
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.