São Paulo, sábado, 5 de julho de 1997
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A ética dos precatórios

FLÁVIO J. S. BRANDO

Os ilustres governador e prefeito de São Paulo estiveram na CPI dos Títulos Públicos com suas claques, números e explicações ao vivo e em cores, num esforço de autocanonização financeira que não convence quem conhece um pouco do ramo "precatórios". Covas e Pitta têm muito em comum e poucas diferenças.
Pitta está menos atrasado nos pagamentos, mas tudo leva a crer que seu time realmente esteve envolvido em trapaças grossas com dinheiro público. Covas continua com os pagamentos parados nos orçamentos de 1994/1995 (acredite se quiser, você que vive com dívidas de 1997), mas, é forçoso reconhecer, nada indica que sua administração tenha se envolvido com as "correntes da felicidade" no mercado de capitais.
Cessam aí as diferenças e começam as muitas semelhanças. Os dois, como a grande maioria dos políticos brasileiros, botam a culpa de tudo nas administrações anteriores, como se não soubessem dos fatos e não tivessem se candidatado exatamente para consertar ou melhorar o que estava errado.
Covas, aliás, antes de assumir, foi avisado pelo hoje supersecretário Angarita do problema dos precatórios. Levou 18 meses para denunciar a questão ao Ministério Público.
Ambos tentam enganar a opinião pública, ao dizerem que não pagam ou pagaram atrasado por causa da demora em obter e vender os títulos públicos.
Pela lei, os credores têm de ser pagos nas datas constitucionais, e os governos têm de se virar para arrumar o dinheiro, com tributos, venda de ativos ou papéis, seja o que for -a escolha do caminho dos títulos é apenas uma possibilidade.
Covas e Pitta confessam candidamente que violam a Constituição ao continuarem atrasados nos pagamentos. Usam e abusam de números e cálculos (são engenheiros!) e o resultado é que os credores acabam não recebendo ou recebendo menos do que deveriam. Usam o Judiciário para protelar indefinidamente os processos e pagamentos, o que é um crime contra a cidadania.
Embora de diferentes partidos políticos, estão unidos na utilização da primeira moratória para os precatórios, patrocinada pelo atual senador José Serra, do PSDB, e já trabalham para uma terceira, ora em estudos na Câmara dos Deputados. A segunda moratória, concedida informalmente, é o atraso vigente no pagamento da primeira determinada pela Constituição de 1988.
Tanta briga judicial pela "correção monetária" dos precatórios não existiria se esses governos simplesmente cumprissem a Constituição, pagando as indenizações de maneira prévia e justa, e as dívidas alimentares, de uma só vez e atualizadas.
No final, o "imbroglio" vai desaguar no governo federal, que parece ter um pouco mais de juízo e vai renegociar as dívidas estaduais e municipais, exigindo um esforço de racionalização desses órgãos literalmente falidos.
E, como já dissemos, atenção credores e investidores internacionais no Brasil: corre na Câmara um projeto de emenda constitucional para conceder nova moratória às dívidas judiciais dos órgãos públicos (mais venda de títulos?).
Vai ficar cada vez mais difícil para nós, advogados, responder a uma pergunta clássica dos clientes internacionais interessados em investir no Brasil: "Em caso do não pagamento de dívidas oficiais, o credor pode contar com a eficiência do Judiciário para reaver o que lhe é de direito?" A resposta é óbvia e triste. "E será que uma moratória dessas não significa que o Plano Real está fazendo água?"

Flávio J.S. Brando, 46, é advogado e diretor da Associação Brasileira dos Advogados dos Credores da Administração Pública (Abracap).

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