São Paulo, sábado, 12 de julho de 1997
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Antônio Torres dosa fluência e linearidade

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A obra de Antônio Torres -autor do marcante "Essa Terra" (1976)- já foi definida como literatura fundada em uma única e poderosa obsessão.
Obsessiva é a oposição entre a realidade social do lugarejo nordestino (da terra natal, da família) e o destino do filho que parte para a tragédia da modernização sulista e volta para uma terra arrasada mas sempre terra-raiz de tudo.
Vista sob esse ângulo, toda a obra de Torres é uma espécie de "balada da infância perdida", como diz o próprio título de um livro seu, de 1986. Balada cantada pelo mesmo protagonista-narrador de vários de seus textos, o autobiográfico Totonhim de "Essa Terra" ou o simples A de "Um Cão Uivando para a Lua" (1972).
Depois de dez anos sem publicar ficção -seu livro mais recente, "O Centro das Nossas Desatenções", lançado no ano passado, é uma espécie de guia sobre a decadência do centro do Rio de Janeiro-, o baiano Antônio Torres, 57, traz a público "O Cachorro e o Lobo", uma "continuação" não declarada de seu melhor romance, "Essa Terra".
Na última página de "Essa Terra", o protagonista Totonhim diz ao pai que vai embora da pequena Junco (Bahia) para viver em São Paulo. O romance é a história da volta e do suicídio do irmão de Totonhim, Nelo, que também partira para São Paulo.
Na primeira página de "O Cachorro e o Lobo", passados 20 anos, Totonhim, prepara-se para voltar à terra natal e comemorar o aniversário de 80 anos de seu pai.
Os personagens são os mesmos: Nelo, o doido Alcino, o pai lobo solitário que preserva a terra como quem preserva a vida -o simbolismo do lobo está ligado ao ancestral mítico, à fertilidade, mas também à força exuberante que se esvai na selvageria cega (o pai bebe).
Personagens ou vozes que chamam Totonhim de volta para a terra natal: "Ainda não sei de onde vêm as vozes que me chamam. Se do fundo do tempo, das profundezas dos meus sonhos (...) ou se estava sendo chamado da janela, na porta do quarto, ao pé da cama, aqui e agora".
Linearidade Na narrativa do protagonista Totonhim, sua viagem de volta confunde-se com a chegada à casa do pai. Espaços e tempos interpenetram-se e são às vezes sonho, às vezes realidade.
Mas o que poderia soar confuso, vira fluência e quase linearidade nesse texto que se vale de uma mistura bem-dosada de linguagem meio coloquial, meio regional.
Toda a rememoração do narrador-protagonista mescla também situações da realidade rural e paterna de ontem com referências ao universo modernizado em que se formou Totonhim, um intelectual de classe média.
Por vezes as referências soam deslocadas ou pouco exploradas, e empobrecem o texto (referências à Internet, por exemplo, e aos sem-terra, ou citações de poemas).
Mas isso não prejudica a obra de Torres, que sabe (principalmente quando vista em seu conjunto) fazer da exploração de seus temas recorrentes um raro momento de despretensão e qualidade literária.
A literatura tocante de Antônio Torres ultrapassa o prosaico e o pitoresco amadiano ou ubaldiano. De certo modo, e para sorte de seus leitores, Torres é o menos baiano dos escritores baianos.
Sua obra, como bem observou Lígia Chiappini Moraes Leite em estudo sobre ela, vai além: "não se trata somente da representação da miséria do Junco ou do Sertão Brasileiro, mas sobretudo da (...) sondagem de uma condição social, através do mergulho no caso individual que acaba nos conduzindo às origens mais gerais da culpa".

Livro: O Cachorro e o Lobo
Autor: Antônio Torres
Lançamento: Record
Quanto: R$ 18 (219 págs.)

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