São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 1997
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O Real desencantado

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Com o tombo da inflação de 40% ao mês para 30% ao ano e a economia arremetendo a uma taxa de crescimento equivalente a 14% ao ano, o Real parecia ter levado a economia ao paraíso, no segundo semestre de 1994.
A estadia no céu foi, no entanto, rápida e logo se seguiu uma fase particularmente controvertida. De fato, antes que a arremetida inicial morresse, vítima de seus próprios excessos, a crise mexicana pôs um abrupto fim à festa. Muitos, de imediato, anteviram o fim da mágica e o desmoronamento do plano -enquanto o governo tentava persuadir a sociedade de que a economia brasileira, diferentemente de outras, sobreviveria à tempestade.
Os fatos trataram muito mal aqueles que anteviam o fim do plano -e, caprichosamente, também negaram que o Brasil fosse diferente. A turbulência trazida pelo efeito Tequila foi, em suma, rapidamente minimizada no Brasil -bem como na maioria dos demais países latino-americanos. O próprio Plano Cavallo sobreviveu e até mesmo para o México, em menos de um ano, os capitais internacionais voltaram em grande escala.
Mas, se a crise mexicana (e a duríssima resposta a ela dada pelo governo brasileiro) não trouxe consigo o inferno, não foi só pelo retorno, surpreendentemente rápido, do financiamento externo. É preciso ter presente que pelo menos três fatores estavam promovendo uma intensa redistribuição da renda no Brasil. O movimento beneficiava os trabalhadores, genericamente, e certas camadas desfavorecidas da população, muito especialmente.
O primeiro fator integrante desse movimento teve por origem uma derrota do governo diante do Congresso. De fato, para obter a aprovação da URV, os formuladores do plano tiveram de admitir, em patente contradição com a lógica do plano, que a indexação salarial fosse mantida nos 12 primeiros meses do Real. Dada a rápida redução do resíduo inflacionário após o lançamento do plano, esse fator contribuiu significativamente para a redistribuição da renda em favor dos assalariados.
A valorização surpreendentemente intensa -e altamente problemática- do Real diante das demais moedas deu também uma importante contribuição para a redistribuição da renda trazida pelo plano. A explicação é simples: do lançamento do plano até meados de 1996, os preços dos serviços privados se elevaram substancialmente (cerca de 50%, em média), em comparação aos preços dos bens sujeitos à competição internacional. Como grande parte dos trabalhadores sem carteira assinada, bem como dos chamados conta-própria, se encontram alojados na esfera dos serviços privados, seus rendimentos vieram a ser fortemente beneficiados.
Por fim, o desaparecimento da inflação enquanto tal beneficiou também as camadas menos capazes de defender-se do turbilhão de preços.
Resumindo o que precede, podemos afirmar que a estabilização com impetuoso crescimento rapidamente se transmutou em estabilização com redistribuição de renda. Num país com um passado de invejável crescimento -porém, universalmente condenado pela desigualdade brutal das rendas-, a troca foi amplamente entendida como vantajosa. Quanto ao governo, intensamente celebrou o ocorrido, procurando dar a entender que a redistribuição era um fenômeno intrínseco ao plano.
Presentemente, a redistribuição cessou. A última informação disponível (PME, IBGE) revela que o rendimento real médico do trabalho em maio foi apenas 1% superior ao de maio de 1996. Dado o crescimento verificado no período, fica mesmo sugerido, como possibilidade, um início de reversão da redistribuição anteriormente ocorrida.
Quanto ao crescimento da economia, parece acomodar-se a níveis inegavelmente medíocres. Ou, mais precisamente, muito inferiores aos 5% anunciados pelo governo em setembro de 1995 -e então referidos como um ritmo moderado, porém, sustentável de expansão.
Na próxima coluna examinarei a "aposta" do governo que a soma das reações privadas e o tempo ganho com a venda das estatais permitirão à economia virar o jogo no segundo tempo.

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