São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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Relação com os militares era ambígua

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um dos aspectos mais contraditórios da trajetória de d. Hélder Câmara é a sua relação ambígua com a cúpula do regime militar.
Ao mesmo tempo que denunciava corajosamente as violações dos direitos humanos e procurava organizar movimentos de participação popular (foi um dos criadores das Comunidades Eclesiais de Base), mantinha boas relações com os principais chefes militares.
Tinha, por exemplo, um canal direto de comunicação com o presidente Castello Branco, que chegou a afastar as chefias militares de Recife contrárias ao arcebispo.
No livro "Dom Hélder Câmara - Entre o Poder e a Profecia", há uma revelação surpreendente: quando foi decretado o AI-5 (Ato Institucional nº 5), em dezembro de 1968, a primeira reação do arcebispo não foi de oposição.
Chegou a recomendar que os integrantes da organização católica Ação, Justiça e Paz quebrassem os "preconceitos antimilitaristas", "abandonassem provisoriamente a ação política direta e se dedicassem a estudar".
Direitos humanos
Por outro lado, o arcebispo foi incansável no apoio aos presos políticos e nos apelos pela sua libertação. Em carta inédita a seus colaboradores, transcrita na nova biografia, d. Hélder denunciava em minúcias, em 1973, o esquema de prisões e torturas implantado pelo regime militar.
Por sua postura e seu prestígio internacional, d. Hélder Câmara tornou-se o inimigo número um do regime, que chegou a proibir qualquer menção a seu nome nos meios de comunicação.
Igualmente complexa é a relação de d. Hélder com a própria Igreja. Perseguido e isolado pelos setores conservadores do clero, o religioso teve sempre um bom relacionamento com o Vaticano, especialmente no pontificado de Paulo 6º, seu amigo pessoal.
Nunca chegou a cardeal. Dificilmente a instituição absorveria suas idéias: chegou a propor a eleição do papa por uma assembléia de bispos e a entrega do patrimônio arquitetônico do Vaticano (residência papal, museu) ao povo, sob a gestão da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).
Integralismo
Acusado de comunista a partir dos anos 60, Hélder Câmara foi, nos anos 30, uma das principais lideranças do integralismo -movimento político de inspiração fascista- em seu Estado, o Ceará.
O livro inédito "Dom Hélder Câmara - Entre o Poder e a Profecia" traz informações detalhadas sobre a militância integralista do biografado.
Um dos mais chocantes episódios narrados no livro é o espancamento em Fortaleza do educador Edgar Sussekind de Mendonça, adepto da "educação nova", por um grupo de jovens integralistas, "comandados pelo próprio padre Hélder Câmara, que, por baixo da batina preta, aberta ao peito, deixava à mostra sua camisa verde integralista". O fato ocorreu em 12 de fevereiro de 1934.
Dias antes, durante a Conferência Nacional de Educação, o padre Hélder tinha atacado a palestra de Sussekind de Mendonça, acusando-o de "bolchevista".
Como mostra a nova biografia do arcebispo, mesmo depois que d. Hélder se afastou do integralismo e se encaminhou progressivamente para a esquerda em diversas questões (reforma agrária, política externa etc.), ele continuou durante muito tempo defendendo o ensino católico contra a escola pública e gratuita.
Suas posições nesse campo levaram-no a opor-se ao antropólogo Darcy Ribeiro. No governo Juscelino Kubitschek, d. Hélder tentou convencer o presidente a criar em Brasília uma universidade católica, em lugar da universidade pública proposta por Ribeiro.
Entre os documentos inéditos usados pelos autores estão, além dos telegramas da embaixada brasileira em Oslo, as circulares que d. Hélder mandava clandestinamente a seus colaboradores de Recife e do Rio durante o regime militar e as cartas pessoais do religioso ao intelectual católico Alceu Amoroso Lima.

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