São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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LEIA TRECHOS DA CORRESPONDÊNCIA

Leia a seguir trechos da correspondência do embaixador sobre as atividades desenvolvidas para impedir que d. Hélder Câmara ganhasse o Prêmio Nobel da Paz:
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"7. I - Dom Hélder Câmara - Conforme havia previsto esta embaixada em numerosas comunicações sigilosas enviadas à Secretaria de Estado, nos últimos tempos, dentre as quais sobressaem os ofícios nº 565/71 (par. 12), 605/71 (par. 11) e 37/72 (par. 5), o arcebispo de Olinda e Recife teve renovada a sua candidatura, como foi acentuado no mencionado telegrama nº 8/72. A sua candidatura foi apresentada por um grupo de membros do Parlamento da República Federal Alemã, pertencentes ao Partido Cristão-Democrata, que se encontra em oposição ao governo do chanceler Willy Brandt, detentor do Prêmio Nobel da Paz de 1971. O nome do prelado brasileiro mereceu o apoio de parlamentares noruegueses, suecos e holandeses, além de várias associações de caráter político, social e religioso. As informações obtidas por esta missão diplomática coincidem, em linhas gerais, com os informes retransmitidos pelo despacho telegráfico nº 12/72, que transcrevem o teor do telegrama enviado à Secretaria de Estado pela embaixada em Bonn. Este ano, o nome do religioso brasileiro parece apoiado por figuras de alta representação do mundo parlamentar, político e eclesiástico, e os seus adeptos, diante da derrota por dois anos consecutivos, procurarão, sem dúvida, aperfeiçoar os seus meios de luta através de intensa campanha jornalística, como relatam várias comunicações desta embaixada, e, mais recentemente, os ofícios nº 439/71, 488/71, 577/71, 505/71, 605/71 e 37/72. Por outro lado, parece tomar corpo a idéia, pelo menos nos meios políticos e religiosos ligados a dom Hélder Câmara, de convidar o prelado brasileiro (...) difundir a obra social em que está empenhado (ver ofício mencionado nº 37/72). É óbvio que a presença física do arcebispo de Olinda e Recife neste país, com o seu aspecto de aparente humildade e com sua oratória teatral, deverá, sem dúvida, influenciar o julgamento final da Comissão Nobel, fortificando, assim, a sua posição de candidato favorito. E, para finalizar, não seria temerário prever-se que, salvo "um passo em falso", como ocorreu no ano passado, dom Hélder Câmara aparece como o mais provável vencedor ao Prêmio Nobel da Paz de 1972.
11. Conclusão - (...) Conforme foi acentuado no parágrafo final do ofício nº 37/72, evidencia-se cada ano mais difícil a ação desta embaixada no sentido de tentar obstar a vitória da candidatura Hélder Câmara. De fato, os argumentos utilizados nos dois últimos anos tiveram o fim precípuo de tornar polêmica a figura do prelado brasileiro aos olhos da Comissão Nobel, mas não podem ser repetidos "ad infinito". Em 1970, o arcebispo brasileiro foi apresentado como antigo nazi-fascista, dados os seus laços do passado com a extinta Ação Integralista Brasileira, circunstância que o incompatibilizou, até certo ponto, nos círculos ligados à Comissão Nobel, pelos ressentimentos da ocupação do país pelas forças alemãs durante a Segunda Grande Guerra (vide ofício nº 172/71, parágrafos 9 a 12). E, em 1971, foi sobretudo realçada a ameaça que pairava sobre os capitais noruegueses investidos no Brasil pelo eventual risco de sua expropriação, nacionalização ou ainda estatização, caso fosse vitoriosa a candidatura do arcebispo de Olinda e Recife, pelo aumento de seu prestígio junto às classes populares brasileiras, a sua ambição política e a sua liderança na ala progressista da Igreja Católica do Brasil (vide ofício citado). Outro argumento empregado foi a tentativa de demonstrar a sua deficiente cultura econômica, ao serem contrarrestadas as suas sistemáticas críticas à política econômico-financeira dos três últimos governantes do Brasil. Esse objetivo foi atingido pela discreta difusão dentre os membros da Comissão Nobel do trabalho de Morilou O. F., intitulado "The Political Dialectics of Dom Hélder Câmara" (vide telegramas números 100/71 e 101/71). E, finalmente, sua leviana entrevista concedida ao mensário ilustrado italiano "Le Ore del Mese" foi veladamente explorada por esta missão diplomática, que fez circular sigilosamente dentre os membros da Comissão Nobel, inclusive sua presidente, um exemplar da pornográfica revista, acompanhada de tradução em idioma norueguês do texto da entrevista concedida. (vide telegramas citados).
12. Por outro lado, ainda debilitam mais a posição desta embaixada o fato de que os dois argumentos básicos utilizados na polemização da personalidade do arcebispo brasileiro foram fartamente difundidos na imprensa deste país, por meio dos virulentos artigos de crítica ao governo brasileiro e de louvores ao candidato vencido do Prêmio da Paz (de autoria dos jornalistas Henry Notaker e Padre Rieber-Mohn - vide ofícios números 565/71, 605/71 e 37/72).
13. Acresce, por fim, a circunstância de que personalidades integrantes ou intimamente ligadas a membros da Comissão Nobel que, confiantes na discrição desta embaixada, muito a auxiliaram no fornecimento de informações sigilosas e na circulação dos argumentos destrutivos da personalidade do prelado brasileiro, se mostram cada ano mais retraídas e temerosas de empreender qualquer ação que os venha novamente envolver em tentativas de pressão a favor ou contra qualquer dos candidatos ao Prêmio da Paz. Tal fato, aliás, já sucedeu por mais de uma vez, como o episódio do semanário inglês ameaçou arrastar, numa tentativa de chantagem, dois membros prestigiosos da Comissão Especial Parlamentar e um importante investidor de capitais no Brasil (vide ofício nº 111/71). Novos ensaios de envolvimento repetiram-se, mais tarde, através das penas dos mencionados jornalistas Henry Notaker e padre Rieber-Mohn (vide ofícios citados no par. 12). E, por fim, nem diplomatas estrangeiros foram poupados pela imprensa adepta de dom Hélder Câmara. Foi o que sucedeu com o embaixador da República Federal Alemã, senhor Gerhard Ritzel, o qual, acusado de ter tentado pressionar a Comissão Parlamentar a fim de conseguir o Prêmio da Paz de 1971 para o chanceler Willy Brandt, teve, para defender-se, de travar desagradável polêmica jornalística (vide ofício nº 590/71 par. 9, 10 e 11).
14. Nessas condições, tendo como objetivo fundamental evitar a suspeita de qualquer interferência do governo brasileiro ou de sua representação diplomática neste país, no que se refere a tão delicado assunto, acredito que a ação desta embaixada terá que limitar-se, este ano, ao atento acompanhamento do desenrolar dos acontecimentos ligados à escolha do Prêmio Nobel da Paz de 1972, na esperança de que seus esforços, empreendidos nos anos de 1970 e 1971, ainda sejam capazes de deter, ou pelo menos de minorar, a pertinaz campanha empreendida pelos adeptos de dom Hélder Câmara neste país e no exterior, que não se deixarão abater enquanto o arcebispo de Olinda e Recife não receber a glória de ser, por fim, um galardoado com o Prêmio Nobel da Paz.
J. de Souza Gomes (embaixador)

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