São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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A revolta do escritório

HOWARD BAKER
DA "NEW SCIENTIST"

Você passou um fim-de-semana tranquilo em casa, mas agora já é segunda-feira de manhã, hora de voltar ao escritório. Na metade da manhã você já está cansado e de mau humor, não consegue se concentrar, sente a garganta seca e o nariz entupido.
Seu telefone começa a fazer barulhos e pára de dar linha, ao mesmo tempo que seu computador e fax entram em pane. Talvez seja paranóia, mas a impressão é que seu escritório está querendo brigar com você.
É possível que você tenha razão. O escritório moderno, recém-pintado e repleto de móveis e carpetes sintéticos, emite uma "sopa" química nociva que agride tanto os homens quanto as máquinas.
As próprias pessoas acrescentam ingredientes nocivos à mistura, e as máquinas também contribuem com sua parte. É uma guerra química total e indiscriminada -os móveis afetam o aparelho de fax, a fotocopiadora agride as pessoas, as pessoas prejudicam o computador- e todos os combatentes agridem a si mesmos, ao mesmo tempo.
Suspeita-se que essa "sopa" seja um dos principais responsáveis pelas dores de cabeça, letargia e irritações corporais de todo tipo, sentidos por alguns funcionários de escritórios, sintomas da condição que afeta muitas pessoas, mas sobre a qual sabe-se pouco, a chamada "síndrome do edifício doente".
Ataque aos telefones
No entanto, o rastro de destruição não pára por aí. A "sopa" é capaz de atacar as placas de circuito presentes nos equipamentos de escritório, levando sistemas telefônicos, computadores e aparelhos de fax a sentirem os efeitos de uma variante eletrônica da "síndrome do edifício doente".
Já faz algum tempo que os químicos desconfiam que os vilões químicos responsáveis por tudo isso são os compostos orgânicos voláteis (COVs).
Mas, até agora, não sabiam por que os COVs exercem efeitos tão amplos. Estudos recentes sugerem que há algo de mais complexo em ação. Parece que quando COVs se misturam a outras substâncias químicas reativas, tais como o ozônio, a mistura resultante pode ser mais prejudicial às máquinas do que as substâncias originais. E as evidências sugerem que ela também pode ser péssima para os humanos.
Ataque pelo ar
A existência dos COVs é conhecida há mais de 20 anos. São eles, ao lado de iluminação fraca, má ventilação e escritórios mal projetados, que vêm sendo identificados como fatores que contribuem para o surgimento da "síndrome do edifício doente".
Mais de 250 COVs diferentes foram identificados no ar de escritórios. Ladrilhos, carpetes, tintas, verniz, móveis novos, colas e revestimentos de parede, todos emitem um misto complexo de compostos orgânicos.
Eles variam de compostos reativos pequenos, tais como o formol, até moléculas grandes com longas cadeias de átomos de carbono, como o decano (composto orgânico com dez átomos de carbono) e vários ésteres glicóis.
Na década de 70, começaram a ser usados vários métodos para reduzir o nível de COVs nos escritórios. Mas a situação se agravou com a crise petrolífera de 1979, que provocou mudanças nas normas de construção em todo o mundo.
Arquitetos interessados em poupar energia começaram a acrescentar aos escritórios materiais isoladores extras, que emitem COVs, e a reduzir os sistemas de ar condicionado, reduzindo a quantidade de ar fresco que entra nos escritórios.
O homem também participa
As emissões dos materiais sintéticos usados na fabricação de móveis de escritório também frustraram as tentativas de reduzir os níveis de COVs.
No ano passado Charles Wechsler, da Bell Communications Research, também conhecida como Bellcore, em Red Bank, Nova Jersey, percebeu que existe outra grande fonte de COVs -as próprias pessoas.
Embora já se soubesse que as pessoas emitem COVs, sua contribuição para a "sopa" dos escritórios ainda não havia sido medida. Wechsler constatou que a concentração total de COVs em edifícios densamente ocupados é mais do que duas vezes superior a dos edifícios de empresas de telecomunicações, que têm poucos funcionários. O homem está contribuindo em muito para o problema.
Roupas recém-saídas da tinturaria, por exemplo, emitem tricloro-etano, o solvente usado na lavagem a seco. Depois de tomarmos banho, nossos corpos emitem moléculas de perfume e outras substâncias químicas deixadas pelos xampus e sabonetes, além das substâncias químicas de sabor agradável presentes em desodorantes e perfumes.
Alguns perfumes podem conter até cem ingredientes diferentes, que contribuem para a formação da "sopa" dos escritórios. Além disso, contribuímos com a acetona e o isopreno, que nossos corpos produzem naturalmente.
Mas por que Wechsler, que trabalha para uma companhia telefônica, está interessado nos COVs? Desconfia-se que os COVs sejam os principais responsáveis por panes em estações telefônicas e outros equipamentos eletrônicos.
Wechsler demonstrou que as placas de circuito sofrem de sua forma própria de "síndrome do edifício doente", provocada pelos COVs. Ao diagnosticar a causa do problema, Wechsler trouxe à tona toda uma nova e "reativa" dimensão da "sopa" química, que pode também ser responsável pela síndrome nos seres humanos.
Poluição no escritório
Wechsler constatou que os principais culpados são espécies altamente destrutivas, conhecidas como radicais hidroxila.
O radical hidroxila é composto de um átomo de hidrogênio e um de oxigênio, sobre o qual há um elétron solitário, louco para encontrar um par.
Esse elétron é o responsável pela extrema reatividade do radical. Os radicais hidroxila reagem com rapidez e voracidade à maioria dos compostos presentes na atmosfera, diz Wechsler, e desempenham importante papel na formação da poluição fotoquímica nas cidades.
Mas, até agora, as pessoas supunham que não houvesse radicais dentro de casa ou do escritório.
Wechsler e sua colega Helen Shields descobriram que é possível que até 1 trilhão de radicais hidroxila estejam presentes em cada metro cúbico de ar dentro de ambientes fechados.
Embora seja um nível inferior ao encontrado durante o dia em uma cidade poluída durante, é superior aos valores presentes à noite, ao ar livre, e, o que é mais importante, superior ao que se esperava encontrar no ar de escritórios. De onde vêm esses radicais todos?
O papel das fotocopiadoras
Wechsler diz que os radicais são formados por reações entre o ozônio, produzido por equipamentos como fotocopiadoras, e sugado de fora do escritório para dentro, e os COVs emitidos pelas pessoas. "Esses COVs contêm ligações duplas e triplas que reagem com as moléculas de ozônio", disse ele. Os radicais hidroxila produzidos por essas reações decompõem todos os outros COVs à sua volta. É nesse momento que começam os problemas para quaisquer placas de circuito presentes na redondeza.
Quando os radicais começam a decompor os COVs, criam substâncias químicas nocivas, incluindo o formol e outros aldeídos pequenos, cetonas, ácido acético e ácido nítrico.
Esses pequenos compostos são mais reativos do que seus COVs "pais" e desempenham um papel chave em uma forma de dano aos equipamentos eletrônicos.
As moléculas de ácido nítrico reagem com outros compostos e formam sais de nitrato, que podem absorver água. Os nitratos, juntamente com outras partículas transportadas pelo ar, se depositam sobre as placas de circuito, formando uma camada de poeira absorvente de água.
Poeira que absorve água
Quando a poeira está seca não conduz a eletricidade e, assim, não representa grande ameaça aos circuitos. Os problemas começam quando a umidade aumenta.
A poeira absorve água da atmosfera, gerando uma solução iônica que forma uma ponte condutora entre os componentes. Os sinais elétricos da placa de circuito começam a passar para a solução, provocando erros "simples" tais como um "1" ou "0"fora de lugar num sinal digital.
Se as placas integram uma estação telefônica, o problema se manifesta como linha cruzada. Com o tempo, as placas podem entrar em pane e a estação telefônica inteira deixa de funcionar.
Segundo Wechsler, um desastre desse tipo afetou uma estação telefônica na Califórnia. Havia uma tempestade, e um raio havia danificado o sistema de ventilação da estação telefônica.
A umidade no prédio aumentou até atingir 80%, e a poeira que recobria as placas de circuito responsáveis por 20 mil linhas telefônicas se transformou numa solução condutora. O sistema inteiro quebrou. Custo total: US$ 250 mil.
Mas os danos causados pela "sopa" química não param por aí. Wechsler e Shields identificaram um segundo caminho para o desastre, que depende apenas dos COVs.
Más vibrações
Muitos compostos na "sopa" são absorvidos pelo ouro e outros metais preciosos usados para revestir os contatos na placa de circuito. "Graças aos ventiladores, ao trânsito na rua e outras vibrações, sempre há um pouco de movimento -fricção- entre conexões em pares", diz Wechsler. Esse misto de fricção e potencial elétrico leva os COVs a reagirem entre si, formando o que é conhecido como polímero friccional.
O polímero produz resistência entre contatos e impede a corrente de fluir pelo circuito. E assim as placas tendem a entrar em pane.
"As chances de que um ou mais componentes entrem em pane durante o tempo de vida previsto da placa devido a polímeros friccionais é muito alta", diz Wechsler. "Esse tempo de vida pode ser qualquer coisa entre seis meses e cinco anos." Ele estima que os polímeros friccionais e a poeira de nitrato tenham custado às empresas americanas de telecomunicações no mínimo US$ 100 milhões nos últimos dez anos.
Reação humana
Se as idéias de Wechsler sobre radicais hidroxila e COVs ajudaram a explicar como as máquinas sofrem nos escritórios, elas apenas fizeram aumentar as incertezas sobre como os humanos reagiram aos poluentes transportados pelo ar.
Depois de 20 anos, os cientistas ainda não encontraram nenhuma relação simples entre a quantidade de COVs presentes nos escritórios e seus efeitos sobre nossa saúde.
O assunto é complexo, pois o misto de substâncias químicas presentes no ar varia, assim como varia o grau de suscetibilidade das pessoas. Os cientistas ainda discutem que COVs medir e como medi-los.
"Identificar efeitos em máquinas é fácil", diz Gary Raw, do Centro de Edifícios Saudáveis no Estabelecimento de Pesquisas com Edifícios, em Watford, Inglaterra.
"Não há organismos éticos que impeçam as pessoas de expor as máquinas a altos níveis de COVs."
Mas ele explica que não se pode fazer o mesmo com as pessoas. O máximo que os cientistas já puderam fazer foi isolar pessoas em câmaras e expô-las a baixos níveis de COVs.
Irritações
Em meados dos anos 80 Lars Molhave, chefe do Instituto de Medicina Ambiental e Ocupacional da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, mostrou que as pessoas que sofrem a "síndrome do edifício doente" apresentam irritações oculares e das vias respiratórias, além de déficits de atenção, depois de inalar um coquetel de 22 COVs emitidos por materiais de construção. Experimentos subsequentes constataram que quanto mais alta a concentração de COVs, piores ficam os sintomas.
Depois da pesquisa de Wechsler, a Bellcore traçou diretrizes para as companhias telefônicas americanas, para ajudá-las a prevenir panes em suas placas de circuito, e essas diretrizes tendem a melhorar as condições nos escritórios, também para as pessoas.
Entre elas figuram o uso de ventilação em ambientes que contêm equipamentos eletrônicos e o uso de filtros de carvão para reduzir os níveis de ozônio e, obviamente, evitar produtos contendo grandes quantidades de COVs.
Infelizmente, a aplicação dessas diretrizes na maioria dos escritórios seria caro, quando não inviável. Mas existe uma alternativa orgânica mais barata -usar plantas para consumir os COVs.
Se, apesar de estar cercado por folhagens, você continua sofrendo os efeitos da "sopa", saiba que há uma causa química responsável por seus olhos lacrimejantes, coceira e irritabilidade. Assim, quando o computador entra em pane inesperada, o telefone deixa de funcionar e o fax o deixa na mão, culpe os carpetes, os móveis ou a fotocopiadora, e, se você estiver usando perfume ou loção pós-barba, culpe a você mesmo. Experimente dar um chute na máquina infeliz -pode até ser que funcione. E depois saia para respirar um pouco de ar fresco.

Tradução de Clara Allain

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