São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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Vítimas relatam revolta contra o ETA

CYNARA MENEZES
DA ENVIADA ESPECIAL

Resu Basarrate, 54, caminhava com o marido, Amador, e Arantxa, sua filha, pela praia onde vive, a 20 km de Bilbao (País Basco), em maio de 1994, quando viu uma carteira na areia. Canhota, se inclinou para pegá-la: era uma bomba que amputou sua mão esquerda.
A explosão atingiu também sua filha no rosto. Amador, que ia adiante com o cachorro, não sofreu nada na hora, mas o choque lhe causou uma depressão que durou mais de dois anos.
Tudo mudou na vida do casal desde então. Resu, que atendia aos fregueses de um pequeno açougue que mantinha, não quis voltar a trabalhar sem a mão esquerda, substituída por uma prótese sem movimentos.
"Minhas mãos eram meu instrumento de trabalho", diz. Até hoje, conta, segue com o instinto de usar a mão esquerda pra fazer as atividades.
O ETA nunca assumiu a autoria do atentado. No mesmo dia, em um parque de Bilbao, um homem também encontrou uma carteira-bomba e ficou em pior estado: perdeu as duas mãos e um olho.
O Ministério do Interior espanhol reconheceu, depois de dois anos, que Resu foi vítima do terrorismo, o que lhe deu direito a uma indenização de 6 milhões de pesetas (o equivalente a R$ 40 mil).
O ódio ao ETA, porém, não diminuiu. Na semana passada, em Bilbao, Resu e Amador podiam ser vistos nas manifestações de protesto pela morte do vereador Miguel Angel Blanco. "Fomos os primeiros a chegar. A maioria dos bascos quer a independência, mas sem sangue", disse.
A família nunca teve simpatias pelo grupo, mesmo no tempo em que defendia a democracia contra o regime do ditador Francisco Franco. "Nossos pais nos ensinaram que a vida é sagrada. Nenhuma morte me parece boa."
Para casal, os prisioneiros do ETA devem estar o "mais longe possível de casa, para que sofram mais e paguem pelo que fizeram às pessoas".
"Eles não são presos políticos. São assassinos. O preso político é o que tem idéias. Os assassinos são simplesmente assassinos. Têm as mãos manchadas de sangue. Eles nos condenaram a viver sem nossas ambições e éramos todos inocentes", disse Resu.
Resu também critica o nacionalismo basco. "Em um mundo que quer se abrir não vamos nos fechar em um lugar pequenino, mas amar esse lugar. A Espanha é plural, é isso que faz dela um país bonito. É o que faz o espírito voar."
Sofrer um atentado, afirma Resu, mudou totalmente sua vida. "De repente, nos vimos na sala de nossa casa, sozinhos com nossa amargura e nossa dor. Todo mundo tinha medo de se aproximar. Agora, não. As pessoas perderam o medo." (CYNARA MENEZES)

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