São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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Inteligência atrás das grades

GILBERTO DIMENSTEIN

Mesmo atrás das grades, criminosos, muitos deles assassinos, aprendem a construir computadores para ajudar crianças.
A linha de montagem é na própria cadeia, onde os detentos produzem um computador com preço bem abaixo dos valores de mercado.
O projeto começou na Califórnia e, agora, devido ao sucesso, se propaga por todos os Estados Unidos: ao mesmo tempo em que se garante uma habilidade profissional ao preso, melhora a qualidade das salas de aulas.
Toda a produção é destinada às escolas.
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O empresário John Detwiler tinha o projeto de informatizar as escolas públicas. Por seus contatos, tinha certeza de que conseguiria a doação de milhares de computadores usados ou danificados.
Fez as contas e viu que para arrumar e atualizar as máquinas teria de gastar muito dinheiro com mão-de-obra, encarecendo seu projeto.
Daí propôs experiência numa prisão da Califórnia -treinar os prisioneiros em informática.
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Foi chamado de doido, mas acabou entusiasmando grandes empresas, entre elas a IBM, Intel, AT&T, Hewllet Packard, interessadas em reabilitar presos e, mais do que isso, educar estudantes em novas tecnologias.
Custo insignificante: teriam de doar seus computadores velhos e desvalorizados, imprestáveis nas empresas.
Os presos, então, tratariam de torná-los úteis como material pedagógico.
Este tipo de experiência provoca monumental fascínio por exigir pouco dinheiro e apresentar alto resultado -aliás, os organizadores do programa constataram que o roubo de peça era desprezível, menor do que ocorreria numa empresa privada.
É o que se chama de tecnologia social, conjunto de descobertas de práticas comunitários que melhoram a vida das pessoas com rapidez, eficiência e baixo custo.
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Esta semana, no Brasil, vai ser lançada uma idéia que, se pegar, economizaria fortunas aos cofres públicos.
Começa em São Paulo a Fenasoft, uma das maiores feitas de informática do mundo. Eles estão estimulando campanha para doação de computadores.
Na ponta do programa está o Comitê para a Democratização da Informática (CDI), que criou 33 escolas de computação em favelas brasileiras, coordenado por Rodrigo Baggio. Foi um jeito de tirar os jovens da delinquência, oferecendo alternativa profissional.
Na semana passada, essa experiência foi apresentada como modelar num dos principais centros de estudos sobre informática, o Media Lab, de Nicolas Negroponte.
Vi os olhos admirados e perplexos dos mais sofisticados pesquisadores da Universidade de Columbia, em Nova York, diante da exposição de Rodrigo -com seus 27 anos ele está ensinando favelados a construir homepages na Internet.
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Há iniciativas que dependem quase só de vontade.
Será que é tão difícil, por exemplo, a Febraban montar um banco de computadores usados? Os bancos são obrigados a se reciclar com imensa rapidez.
A Confederação Nacional da Indústria não consegue mandar uma lista a seus afiliados pedindo colaboração?
É bem mais fácil do que arrecadar fundos para campanhas políticas -e, provavelmente, mais transparente.
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Os episódios a Polícia MIlitar de Alagoas, condimentado com a rebeldia de policiais em várias partes do país, é mais um ângulo da crise social brasileira.
Obviamente o protesto selvagem deve ser condenado e punido. Mas a deterioração dos rendimentos dos funcionários que lidam com segurança, educação, saúde, beira a catástrofe; vai ser fonte permanente de tensão.
Daí a necessidade de, além dos métodos tradicionais, usar todos os tipos de parceria para aliviar as tarefas do Estado.
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Como Rodrigo Baggio, o Brasil tem centenas de lideranças com projetos simples, baratos, eficientes; muitos deles são mais conhecidos fora do que dentro do país.
Existem sofisticados bancos de experiências bem-sucedidas. Há um livro relatório chamado "Asas", realizado pela educadora Maria Alice Setubal que mostra até onde vai a criatividade. Pelo Universo Online se chega, com apenas num clicar de botão, a um desses bancos, montados há quatro anos pela Andi (http:/www2.uol.com).
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O Brasil não só domina, mas dá aula de tecnologia social, graças à inventividade de projetos como Mangueira, Axé (crianças em estado de risco), Pastoral da Criança (mortalidade infantil), Câmara Americana do Comércio de Melhoria (treinamento de professores);
Há também projetos públicos como a bolsa-escola, do Distrito Federal; esporte na madrugada, da Prefeitura de São Paulo, creches comunitárias, em Porto Alegre; saneamento comunitário, em Recife.
A chance de não se repetirem episódios como da PM de Alagoas -aliás, nem sequer existem lugares tão deteriorados como Alagoas- está na razão direta de toda essa inventividade na parceria governo-sociedade virar regra, não exceção.
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PS - Um dos brasileiros que deveriam virar símbolo quase ninguém conhece. Ele se chama José de Carvalho. Menino pobre, ficou rico na Bahia e gasta quase tudo o que ganha para manter escolas gratuitas. Seu lema: "É preciso muita falta de imaginação para morrer rico".

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail gdimen@aol.com

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