São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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A mãe de Baco

GABRIELA MICHELOTTI

A recente polêmica em que José Celso Martinez Corrêa e seu grupo teatral Uzyna Uzona se envolveram em Araraquara poderia ter sido evitada se ele tivesse seguido os conselhos de sua mãe, Angela Martinez Corrêa, 86.
A apresentação da peça "Mistérios Gozosos", em Araraquara, em 1995, acabou na delegacia. O padre Osvaldo Baldan, de uma paróquia que Angela costumava frequentar, recomendou ao Ministério Público uma ação contra o grupo, dizendo que eles haviam "vilipendiado" os rituais da igreja católica, em cena que o ator Marcelo Drummond, representando Jesus Cristo, oferece o corpo e o sangue de Cristo como banana e champanhe.
Neste ano, foi a vez do Conselho Municipal de Cultura de Araraquara tentar impedir a ida de Zé Celso à cidade. Mas, depois de muita polêmica, Zé Celso conseguiu encenar "As Bacantes" em Araraquara. Desta vez, o padre Baldan não se opôs. "Cada pessoa dá o que tem", afirmou.
Angela conta que pediu para o filho não levar a peça "Mistérios Gozosos" a Araraquara. "Eu não dou razão nem para o padre Baldan e nem para o meu filho. Mas eu pedi para o José Celso não levar a peça a Araraquara, porque eu tinha visto um pedacinho pela TV Cultura e não gostei. Mas ele me disse que queria levar a peça com muito amor e muito carinho. Eu não sei por que ele faz essas coisas", diz Angela.
A mãe de Zé Celso conta que, quando menino, ele era muito religioso. "Eu e meu marido sempre educamos nossos filhos com muita religião e carinho. José Celso gostava muito de ir à missa, sempre com o livro da igreja na mão, e era muito carinhoso com a família."
Por isso, a idéia de ver o filho fazendo teatro demorou a ser aceita por Angela. "Na verdade, só fiquei sabendo que ele estava trabalhando com isso quando a dona de um teatro ligou para a nossa casa dizendo que meu filho era irresponsável, que não havia comparecido aos ensaios. Até então, ele não tinha me contado nada. Demorei a me acostumar com isso", diz.
A pior fase foi durante o período militar. "Eu falei inúmeras vezes para o José Celso largar isso, para ir cuidar da vida. Mas ele sempre disse que o teatro era a vida dele. Quando foi preso, pedi a várias autoridades que soltassem meu filho. Falei com um arcebispo, e ele disse que eu podia visitá-lo no 'hospital', que na verdade era uma prisão. Ele estava muito machucado, cheio de vergões. "Logo depois, saiu do país."
Angela assistiu a várias peças de Zé Celso. "No começo, sempre vinha a São Paulo com o meu marido e ia ao teatro. Gostei de 'Pequenos Burgueses' e 'Os Inimigos'. Mas já achava meu filho muito ousado. Hoje não vou mais ao teatro, pois tenho problemas para andar", diz.

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