São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 1997 |
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Colecionador povoou casa com bonecos
ARMANDO ANTENORE
Quem o cruza tem a chance de desnudar não somente os usos e costumes do século 19 e começo do 20, expressos por um sem-número de móveis, ferramentas, garrafas, mata-mosquitos e outros objetos do cotidiano doméstico. Pode, sobretudo, travar contato com o design e o funcionamento de máquinas anteriores à eletricidade -mecanismos que o ex-mascate conhece intimamente e conserta sempre que quebram. Logo na entrada do casarão, por exemplo, repousam os "polifons" alemães, precursores da vitrola. Tocam discos, só que de metal e perfurados. Para acionar as engenhocas, se deve alimentá-las com moedas de um tostão. O som que emitem é cristalino e bem diferente de tudo o que se costuma ouvir hoje. Raful gosta de rodar, nos "polifons" empoeirados, um disco com a melodia do hino brasileiro. Quando o escutaram, funcionários do Museu do Ipiranga apressaram-se em gravar a música para usá-la durante cerimônias solenes. A faceta museológica do casarão também permite que se descubra, entre dezenas de quadros, um retrato de d. Pedro 2º, pintado há 92 anos por um artista popular que se identifica apenas pelo sobrenome: Barros. O sobrado oculta, no entanto, surpresas mais infantis -as que o convertem em casa maluca ou "rafulândia", como prefere o dono. É que muitos cômodos da residência denunciam a personalidade excêntrica e sarcástica do ex-mascate. "Por pura zombaria", o colecionador povoou o casarão com bonecos de pano ou madeira, todos devidamente batizados. A fachada que se inspira no solar da Marquesa de Santos exibe, debruçada sobre a varanda, a faxineira Adelaide Curubichaba Chibau. Uma reprodução do edifício que, em 1860, reunia a cadeia pública e o paço municipal de São Paulo abriga agora os vagabundos Zé Pindoba, Chico Pinguela, Lena Falada, Chico Minhoca, Mané Botina e Zeca Chulé. Um imponente d. Quixote protege o quintal em que se espalham outras dez réplicas de construções paulistas do século 19, incluindo uma capela para o Divino Espírito Santo (Raful visitou a original numa das cidadezinhas interioranas que percorreu quando trabalhava como caixeiro viajante). Caixa intacta O colecionador ainda se recorda da primeira antiguidade que comprou. E consegue localizá-la entre as 4.000 peças que vieram depois. É um relógio de parede norte-americano, em formato de oito e produzido no início do século 20. Também dos Estados Unidos se origina uma caixa de madeira que Raful guarda, intacta, há 40 anos. Contém uma máquina de escrever que o ex-mascate jamais viu ou tocou. "Preservo a embalagem exatamente do mesmo modo que a encontrei: fechada. Não vou abri-la. Cada objeto possui uma magia própria. A dessa caixa é manter-se lacrada, misteriosa." Embora apegado às "milhares de riquezas" que juntou, Raful leva uma vida modesta. Faz ginástica diariamente, evita álcool e cigarro, nunca abdica da dieta vegetariana e se sustenta com uma aposentadoria que não ultrapassa os R$ 700. (ARMANDO ANTENORE) Texto Anterior: Um inédito de Resnais Próximo Texto: Historiador da USP elogia acervo Índice |
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