São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 1997
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Carta lacrada não deve ser mostrada

PATRICIA DECIA
DA REPORTAGEM LOCAL

A carta de Mário de Andrade a Manuel Bandeira, um dos últimos documentos inéditos do escritor, foi lacrada em 1978 pelo advogado Plínio Doyle, criador do arquivo literário da Casa de Ruy Barbosa, no Rio, por se tratar de assunto "muito pessoal".
Ela conteria o maior segredo em torno da figura de Mário de Andrade, que muitos achavam que poderia ser revelado com a abertura da correspondência recebida pelo escritor, ocorrida dia 21, em São Paulo. A carta traria a principal evidência da bissexualidade do autor de "Macunaíma".
Ninguém afirma à imprensa já ter lido a carta. No entanto, segundo a diretora-executiva da Casa de Ruy Barbosa, a historiadora Rosa Maria Barboza de Araújo, 48, vários pesquisadores tiveram acesso ao seu conteúdo, entre eles a professora Telê Ancona Lopez, coordenadora da equipe responsável pela catalogação da correspondência de Andrade.
Nem mesmo o sobrinho de Mário de Andrade, o engenheiro Carlos Augusto de Andrade Camargo, afirma conhecer detalhes do documento. "Se essa carta existe, nós não temos nada planejado sobre a abertura dela", afirmou.
Constituição
Juridicamente, família e instituição podem manter o documento lacrado por quanto tempo quiserem. Toda a correspondência está protegida pelo direito à intimidade, garantido pela Constituição. No entanto, quando se completarem 60 anos da morte do escritor -o que acontecerá em 2005-, os documentos passam a ser de domínio público.
Doyle, 90, diz que tomou a decisão sem consultar a família de Andrade. "Não consultei a família. Mostrei a carta para o grupo que trabalhava comigo e nós tomamos a decisão. Isso acontece quando há algo que possa ser ruim para alguém vivo, ou uma crítica muito forte, ou ainda detalhes muito pessoais".
Doação
A carta foi para a Casa de Ruy Barbosa como parte do acervo do poeta Manuel Bandeira, doado por sua companheira, Maria de Loures Heitor de Souza. "É uma senhora, uma funcionária pública aposentada, que passou a morar junto com o Bandeira num apartamento de Copacabana", conta Doyle.
Como todas as doações, essa foi objeto de um contrato entre as partes, explica Barboza de Araújo. "O doador permite que se organize, trabalhe, faça estudos, mas a ele é reservado o direito de lacrar e tirar cópias. No caso dessa carta, o próprio Plínio Doyle achou que merecia reserva e isso foi respeitado", disse.
Segundo Doyle, que também foi diretor da Biblioteca Nacional entre 79 e 83, há outros documentos fechados e guardados em cofres na Casa de Ruy Barbosa.
A carta polêmica teria sido mostrada pela última vez durante o 1º Workshop de Manuscritos, realizado entre os dias 23 e 25 de junho. No evento, foram examinadas partes dos acervos de Rachel de Queiroz, José de Alencar, Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Pedro Nava, entre outros.
Participaram do workshop pesquisadores da Casa de Ruy Barbosa, da Universidade Federal Fluminense, da Universidade de Assis e do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros), da Universidade de São Paulo.

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