São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 1997
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A conversa de comigo ninguém pode

JOSÉ SARNEY

Em 1973, na crise do petróleo, o mundo inteiro tremia. Surgia o maior problema já vivido pelo capitalismo, tendo que enfrentar um preço político para o petróleo e o colapso da energia no mundo industrializado. Não havia país nem mercado que olhassem o problema com indiferença.
Pois surgiu um: o Brasil. O ministro do Planejamento de então veio com a história: "Nosso país é diferente, estamos bem longe, estamos com inflação baixa, crescendo a taxas altas...".
Resultado: quando a tormenta chegou, foi um deus-nos-acuda. Racionamento branco, programa do carro à álcool, construção de refinarias, queda nas reservas cambiais e exacerbamento do processo inflacionário que durou 20 anos.
Depois, foi o caso do México. Também veio a mesma conversa de que o Brasil não seria atingido e de que não haveria por que nos preocuparmos. O fato é que o "efeito tequila" quase derruba o Real e nos deixou os juros altos e a dependência do capital externo especulativo, nossa moeda supervalorizada, balança comercial deficitária e tudo o mais.
Agora, é a Tailândia e de novo ouço a história de que o Brasil é diferente, está fora das consequências desse abalo no mercado asiático que foi a desvalorização do baht. Mais cedo do que se esperava, as Bolsas de valores despencaram, houve nervosismo no mercado. Mais uma vez essa história de que estamos imunes foi só retórica.
Dia e noite repete-se que estamos num mundo globalizado, que o Brasil está extraordinariamente entrando no clube da modernidade, mundo no qual em todo lugar, em toda parte, qualquer coisa afeta a todos, principalmente na área do mercado financeiro, onde, nunca é demais repetir, os papéis que circulam são 20 vezes mais que a economia real.
Assim, como os fatos da Tailândia não afetariam o Brasil? Nessas horas, o que o governo tem a fazer é tranquilizar com fatos, disposto a enfrentar qualquer especulação, intervindo no mercado, se necessário. Isso tranquiliza mais do que essa história, como se diz no Nordeste, "da tripa roncar e se dizer que é batida de coração".
O Real está bem e todos estão dispostos a ajudar a sustentá-lo. Mas, como em qualquer lugar, temos problemas e devemos estar alertas para que eles não se voltem contra a estabilidade ou importem na criação de uma sociedade voltada apenas para o aspecto econômico, sem preocupação com o social ou o bem-estar.
Aí estão os juros altos, a balança comercial capenga, o alto déficit nas nossas contas correntes, o endividamento externo e interno que equivale à metade do PIB nacional, o colapso de nossa infra-estrutura, que ameaça punir nossas condições de competição, o desemprego, o nível educacional e a crise da Federação que está minando as instituições e cuja face mais visível é a revolta das polícias militares estaduais. Tudo isso é um grande desafio e não autoriza essa retórica para boi dormir de que "comigo ninguém pode".

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