São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
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Eu demitiria Sérgio Motta, afirma ACM

JOSIAS DE SOUZA
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

O presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, acha que a revolta de policiais militares tem forte motivação política. "Isso quando entra nos quartéis passa a ser um perigo", disse. Em entrevista à Folha, ACM afirmou também que CUT e MST não se aliam à polícia rebelada apenas para emprestar-lhe apoio. "Isso se chama eleição de 98."
O ambiente de desordem, raciocina, conspira contra os interesses da recandidatura de Fernando Henrique Cardoso. Um ambiente, aliás, que não se deteriorou senão graças ao "acanhamento" do Exército. "Ou se intervém para valer ou é melhor não intervir", provocou.
ACM recebeu a reportagem da Folha na manhã da última quinta-feira, em seu gabinete no Senado. Momentos depois, em solenidade no Planalto, ouviria rasgados elogios de FHC à sua atuação no Congresso. Mais um afago do presidente, para pôr fim à minicrise aberta após a entrevista em que o primeiro-amigo Sérgio Motta bateu em colegas de ministério e aliados do governo, entre os quais o PFL.
Se fosse presidente, ACM teria demitido Serjão, "sem hesitação." Seu comentário: "Quando você tem que demitir um amigo, você conta até dez várias vezes. E aí vai encontrando razões para não demitir. Mas chega a um ponto que, se ele não demitir, compromete a sua autoridade. O ministro Sérgio Motta chegou a esse ponto". ACM foi enfático: "Eu demitiria". Ele receia que Serjão não consiga manter-se de boca fechada.
Numa escala de um a dez, o presidente do Senado deu nota oito ao governo Fernando Henrique. Acha que a equipe de ministros "é menor" do que o presidente. Em contraponto à opinião de Serjão, elogia Pedro Malan, ministro da Fazenda. Exalta também o trabalho de Paulo Renato, da Educação. A seguir, a entrevista.
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Folha - Há policiais militares e civis rebelados em vários Estados, há governadores cedendo sob pressão das armas. O senhor não sente um aroma de desordem no ar?
Antonio Carlos Magalhães - As polícias militares, de um modo geral, ganham pouco. Mas não tão pouco quanto outros setores do serviço público. A greve, da maneira que está sendo feita, tem um cunho de exploração política muito grande. E isso quando entra nos quartéis passa a ser perigoso. Não se pode negar a justiça de querer melhores salários. Mas policial militar não pode pedir ou exigir melhores salários da maneira como está fazendo. As cidades estão abandonadas e a população exposta à sanha de bandidos e até mesmo de policiais que, para viver, praticam atos que não poderiam praticar.
Folha - A origem desses movimentos foi a greve da polícia em Minas Gerais. O sr. acha que o governador Eduardo Azeredo agiu mal ao conceder reajustes a policiais rebelados?
ACM - O governador mesmo confessa que não foi feliz quando deu aumento aos oficiais e não deu aos soldados. Isso causou um descontentamento natural. O resultado foi uma rebelião, que demorou a ser sufocada. O erro político é deixar que essas coisas evoluam tanto. Quem já governou Estado, como eu, sabe que faltou experiência do chefe da Casa Militar, elo entre o governador e a PM. Faltando isso, o governador erra por falta de uma boa informação. Outro erro foi ter dado um aumento, maior do que deveria, sob uma pressão enorme. Criou-se um problema não só para as PMs de todo o país, mas em outros setores. Depois disso, todos os setores vão reivindicar. E os Estados não têm codições de enfrentar tais aumentos. O episódio de Minas foi o estopim.
Folha - A Constituição prevê, no artigo 34, que o governo federal deve intervir nos Estados em casos de comprometimento da ordem pública. O sr. não acha que, pelo menos no caso de Alagoas, teria sido o caso de fazer uma intervenção formal?
ACM - O espírito democrático do presidente o levou, com muita competência, a evitar uma intervenção. Talvez fosse melhor até para ele. Seria aplaudido em Alagoas. Mas depois seria criticado na mídia e entre os políticos. Ele foi pelo caminho normal, embora soubesse que poderia atalhar com a intervenção. A intervenção, entretanto, não está descartada. Se esse governador continuar com os defeitos que os outros governadores tinham, tornando Alagoas um Estado ingovernável, aí terá que se dar ordem à casa.
Folha - Suponha que o sr. ainda fosse governador de Estado e sua polícia entrasse em greve. O que faria?
ACM - Meu procedimento, em primeiro lugar, seria ver se há razão na reivindicação. Em seguida, mostraria que o governo só pode atender até tal ponto. Fora daí seria comprometer o Estado financeiramente e...
Folha - Mas isso é exatamente o que os governadores estão tentando fazer.
ACM - Sim, mas há algo que precisa ser dito. As Forças Armadas têm que ter um papel mais atuante em casos que tais. Dizer-se apenas que elas não são formadas para isso, que não são para essa atividade, eu acho que não é certo. Temos quase 350 mil homens nas Forças Armadas. O país não paga a tantas pessoas para, numa hora de dificuldade interna, elas não agirem. Elas têm que agir, até porque as dificuldades externas são muito raras. Não se justificaria um efetivo tão grande. O Exército talvez devesse ter dado um sinal de apoio maior aos governadores logo de saída. Isso talvez tivesse servido para abortar muitos dos movimentos que estão aí.
Folha - Houve timidez da parte do Exército?
ACM - Não é timidez. Mas é preciso que haja consciência nas forças militares que, em casos como esse, elas têm que intervir. E não com acanhamento. Ou se intervém para valer ou é melhor não intervir. A intervenção acanhada não dá resultado.
Folha - Mas o Exército não interveio para valer? Houve inclusive o caso do soldado baleado na cabeça em Recife.
ACM - É verdade. A intervenção foi para valer. Mas se todos soubessem antes que essa intervenção viria, tenho certeza que esses movimentos não teriam chegado onde chegaram.
Folha - O que o sr. acha do namoro entre a CUT, o MST e os policiais em greve?
ACM - Tudo isso se chama eleição de 98. No momento em que o Brasil está encontrando um rumo melhor, no momento em que o presidente Fernando Henrique está se tornando um candidato à reeleição bastante forte, só com a desordem querem tentar evitar fortalecimento dessa candidatura. E aí esses movimentos entram exclusivamente pensando na eleição de 98, iludindo aqueles que de boa fé participam do movimento. Isso é normal e vai acontecer com maior intensidade dado o favoritismo da candidatura Fernando Henrique.
Folha - O sr. acha que Fernando Henrique está com a eleição ganha?
ACM - Ninguém ganha eleição na véspera. Já vi muitas pessoas perderem eleição ganha e ganharem eleições perdidas. Mas dentro de um quadro normal, o presidente Fernando Henrique está em uma situação privilegiada para sua eleição.
Folha - De um a dez, que nota o sr. daria para o governo Fernando Henrique?
ACM - Oito.
Folha - Por que o sr. tira dois pontos?
ACM - Tiro por que acho que muitas decisões poderiam ter sido tomadas antes. Isso também é do feitio do presidente. E acho que sua equipe, que é boa, é menor do que ele. Acho que a economia vai bem, mas tem que haver ainda algumas medidas fortes, sobretudo na linha da diminuição do tamanho do Estado. É preciso ter outros setores em desenvolvimento, para acabar com o fantasma, esse sim sério, do desemprego.
Folha - Na eleição de 94, o presidente tinha para apresentar o Plano Real. O que será levado ao palanque em 98?
ACM - A primeira coisa que é a favor do presidente Fernando Henrique é a manutenção do Real. Isso é o que dá a ele uma força hoje muito maior nas classes mais pobres. O poder de compra do trabalhador, do homem do povo, é hoje muito maior. Os outros candidatos fariam plataformas fantasiosas que não seriam cumpridas. O povo não quer mais fantasias, quer realidade.
Folha - O que é pior, um ministro que trata aliados como inimigos e desanca colegas de gabinete ou um presidente que mantém um auxiliar desse tipo na sua equipe?
ACM - Esse é um problema difícil de se equacionar. Tem que se levar em conta a amizade e o respeito que o presidente Fernando Henrique tem pelo ministro Sérgio Motta. Mas tem que se levar em conta também os prejuízos de uma intromissão indevida em outros setores que o ministro faz. Fazer esse balanço não é uma coisa fácil. Acho também que a autoridade do presidente não pode ser ferida.
Folha - O ministro Sérgio Motta é indemissível?
ACM - Não. Ele é demissível como qualquer outro. É claro que, quando você tem que demitir um amigo, você conta até dez várias vezes. E aí vai encontrando razões para não demitir. Mas chega a um ponto que, se ele não demitir, compromete a sua autoridade. O ministro Sérgio Motta chegou a esse ponto. Entretanto, tem serviços prestados ao país. Comigo mesmo tem um relacionamento -tinha ou tem, não posso garantir, é bom botar o verbo nos dois tempos- um relacionamento bom, agradável. Mas não pode interferir na área dos outros ministros, na área do Congresso, na área dos partidos. No momento em que ele diz que A, B ou C não estão atuando bem no governo e estes continuam em seus cargos, é de se perguntar: quem está errado? Sérgio Motta ou o presidente? Esses comentários criam problemas que não são úteis à vida do país. Mas tenho certeza que a partir de agora o ministro vai ajudar o seu amigo Fernando Henrique.
Folha - Se fosse presidente, que destino o sr. daria a um ministro que avaliasse seus colegas de forma negativa e que tratasse seus aliados como inimigos?
ACM - Eu só aceitei fazer a entrevista com você porque sabia que seria sincero. O estilo do presidente Fernando Henrique é um, até melhor do que o meu, mas o meu é outro. Eu demitiria.
Folha - Sem hesitações?
ACM - Sim, teria demitido sem hesitação. E continuaria com a amizade. Mas eu acho que o estilo do presidente é bem melhor do que o meu. Tanto que ele é presidente e eu não sou. Cheguei apenas a presidente do Senado.
Folha - O deputado Luís Eduardo, seu filho, entregou o cargo de líder do governo e, no mesmo dia, voltou atrás. Foi-lhe dito, pela quinhentésima vez, que Sérgio Motta não voltará a se meter em política. O sr. acredita realmente que Sérgio Motta ficará de boca fechada?
Folha - Sua pergunta é muito difícil. Se eu olhar o passado, acredito que não. Se eu olhar o que o presidente me afirmou e os interesses do país, se eu acreditar na sensatez que predominará doravante nos pronunciamentos do ministro Sérgio Motta, acho que ele vai ficar calado. Será mais conveniente.
Folha - O sr. aconselhou seu filho a ficar?
ACM - Não. A decisão foi exclusivamente dele. Ele teria o meu apoio integral em qualquer circunstância. Ele reabilitou a base do governo, teve vitórias importantes. Se ele saísse agora, sairia vitorioso. Mas inegavelmente esse episódio de Sérgio Motta, enquanto não for diluído, cria problemas para essa base. É muito difícil ter vitórias como as obtidas no Senado e na Câmara com esse clima. Cessado esse clima, vamos continuar trabalhando juntos.
Folha - Sérgio Motta declarou que a aliança com o PFL foi desnecessária. Fernando Henrique teria sido eleito com ou sem o PFL. O que o sr. acha?
ACM - É uma avaliação totalmente errada. Fernando Henrique, sem o apoio do PFL, não seria nem mesmo candidato. Sei disso porque tratei desse apoio, a convite de Ciro Gomes e Tasso Jereissati, e me comprometi muito cedo com esse apoio dentro do meu partido.
Folha - O que seria muito cedo?
ACM - No final do ano de 93. E ele teve muitas hesitações para sair candidato. Queria duas coisas importantes: que o PFL desse uma ajuda para passar no Congresso o Fundo Social de Emergência e que apoiasse também a aprovação do próprio Plano Real. Além disso, nós acreditamos em Fernando Henrique quando ele tinha apenas 4 a 6 pontos percentuais nas pesquisas. Lula já estava com 48. Muitos tucanos debandaram para o Lula e nós fomos aumentando o bloco do Fernando Henrique. É óbvio que sem o Real esse aumento não seria tão significativo. É obvio que o presidente precisou e vai precisar do nosso apoio. E nós temos muito prazer, pelo país, de dar esse apoio a Fernando Henrique.
Folha - Sérgio Motta chamou-o de mestre. Insinuou que o sr. quis faturar o encontro de Fernando Henrique com Paulo Maluf. Disse mais: que o sr., sempre que pode, dá uma faturadinha. Em resposta, o sr. disse que quem entende de fatura é o ministro. O que quis dizer com isso?
ACM - Eu tinha passado dois dias da semana conversando bastante com Sérgio Motta no Rio. Fui surpreendido com a entrevista dele à "Veja". E ele vem me falar em faturadinha. Ele quer dizer que eu quero ser dono dos fatos. Falou isso porque estava muito zangado. Realmente ele não soube do encontro do Maluf com Fernando Henrique. Como também não tem sabido de outras coisas do presidente. O que é louvável, porque nem todos podem saber tudo em relação a todos. Eu não quis faturar encontro nenhum, não quero faturar. Mas também, honestamente, não ignorava.
Folha - Mas o que o sr. desejou dizer exatamente quando disse que ele é quem entende de fatura?
ACM - Eu quis dizer, de maneira também irônica, que não cuido de fatura porque minhas funções nem permitem. Ele é que tem contratos milionários e cuida de faturas, até mesmo por dever de ofício.
Folha - O sr. não quis insinuar que ele pode tirar proveito disso?
ACM - Não fiz essa insinuação. Alguns leram assim, mas leram porque quiseram. Meu propósito não foi esse. Não queria de jeito nenhum ofender moralmente o ministro Sérgio Motta.

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