São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
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O monstro imortal da informática; Malhação de vento; De novo; Conta fechada; Uma novidade no mundo da moda; Avanço petroquímico: dinheiro vira capim; Fernão Bracher

ELIO GASPARI
DE NOVO

O monstro imortal da informática
O governo está se preparando para dar mais 13 anos de vida ao pior dos monstros do atraso nacional: a Lei de Informática. Essa maluquice inventada por militares delirantes, empresários astutos e protecionistas da ignorância grudou na cabeça da ditadura, transmutou-se nos governos civis e agora agradou ao bico dos tucanos.
Em nome dos interesses do contribuinte, o governo renunciou, desde 1994, a algo como US$ 500 milhões em impostos, dando incentivos fiscais à indústria de informática. Os incentivos, muito justamente, valem tanto para marcas nacionais quanto para estrangeiras, desde que a máquina seja fabricada em Pindorama.
Incentivada, essa indústria não consegue produzir para o interesse do consumidor. Um mesmo computador, de uma mesma marca, custa US$ 2.400 no mercado americano e, no Brasil, não sai por menos que o dobro. (Em "computês", para quem quiser conferir: Compaq 4.784, com chip Pentium de 200 MHz, tecnologia MMX, 32 Mbytes de memória RAM, disco rígido de 4,3 Gbytes, fax/modem 33,6 mil bps, CD-ROM de 16X e monitor de 14 polegadas, chamado 4.782 no Brasil.)
Não há dúvida de que a indústria está sendo incentivada a produzir computadores de R$ 5.000. O problema é explicar por que o contribuinte deve ser obrigado a pagar o dobro só por viver no "Brasil Moderno".
Para proteger essa indústria, além de afagá-la, o governo apedreja o cidadão. Se alguém quiser importar um computador, terá que pagar uma tarifa de 30% sobre o seu valor. Se quiser importar um asno, pagará 4%. Comida para o gato? Apenas 8%. Uma pele de visom? Taxa de 10%.
Se esse mesmo contribuinte trouxer o seu computador na volta de uma viagem, só faltará que o ponham na cadeia. Ficando no exemplo da máquina de US$ 2.400, terá que pagar os 30% e mais 50% sobre US$ 1.900 (equivalentes ao estouro do limite de US$ 500 permitido às bagagens). Resultado: a conta ficará em US$ 4.000, com o cidadão carregando a mercadoria e pagando tudo à vista. Nesse sentido, a alfândega funciona como sicário da indústria da informática. É a indústria que pressiona contra a elevação do teto de compras permitido aos viajantes.
Não custa muito trabalho verificar que, enquanto há milhões de famílias americanas podendo gastar US$ 2.400 num computador, são poucas as famílias brasileiras que podem desembolsar US$ 5.000 em seja lá o que for. Essa máquina, transformada em instrumento de democratização do trabalho e do ensino nos Estados Unidos, tornou-se instrumento de exclusão no Brasil. E depois vêm os industriais na garupa do governo dizer aos tapuias que o operário tupi é desqualificado.
A Lei de Informática deveria caducar em 1999, porque os empresários diziam que até lá seriam capazes de andar sozinhos. Podem rezar a frei Damião, mas não é justo que se valham de políticos amigos e burocratas irresponsáveis para garrotear os brasileiros numa área do conhecimento que se tornou diferencial de produtividade em todo o mundo.
Se essa conversa de abertura econômica for séria, o professor Antonio Kandir pode levar a seguinte proposta a FFHH: prorrogamos a Lei de Informática até o ano 5786, mas, a partir de 1999, estabelecemos a paridade entre a tarifa de importação da comida de gato e a dos computadores. Feito isso, não haverá gato que reclame, nem bípede incentivado a ser um sem-computador.

Malhação de vento
A última crise da metralhadora giratória do ministro Sérgio Motta foi uma típica malhação de Brasília. Muito vapor, nenhuma energia. Muito palavrório, nenhuma idéia. Como todas as malhações, teve hora marcada para começar (segunda-feira) e para terminar (quinta-feira).
Terminou da seguinte maneira:
Serjão não retirou uma só palavra do que disse. Mais: ficou entendido que, pela primeira vez, ele não disse uma só bobagem.
FFHH informou que Serjão continua ministro. Mais: ficou entendido que, como ministro, vai bem, obrigado.
Numa conversa mano a mano, quando a poeira já estava assentada, Motta admitiu que, se ele fosse o comandante de uma equipe e alguém fizesse o que ele fez, estaria demitido.
Para quem acha que Sérgio Motta não será mais o mesmo: na quarta-feira ele estava em plena operação, cobrando solidariedade ao presidente do PSDB, senador Teotonio Vilela.
Isso não permite a conclusão de que Sérgio Motta ganhou. Simplesmente que, em matéria de brincar com vento, FFHH é insuperável.

Depois de estrear no teatro com o espetáculo Brasil S/A, o empresário Antonio Ermírio de Moraes está trabalhando noutra peça. Seu cenário é um hospital, e a trama se sustenta nos diálogos de dois doentes, um general da reserva e um líder sindical aposentado que espera um transplante de coração.

Conta fechada
Acabou-se o calote dos pesquisadores que estavam pendurados no Programa de Apoio aos Grupos de Excelência, o Pronex. O governo, que lançara o programa com fanfarra, pagara só a metade do que tinha prometido e não sabia dizer quando pagaria o resto. Pagou metade do que devia e informou que até o fim de agosto paga tudo.

Uma novidade no mundo da moda
Como acontece com quase todas as idéias que inovam as modas políticas, não se sabe quem inventou o uniforme de protesto que os policiais cariocas e suas mulheres usaram na passeata de quarta-feira.
Foi uma das melhores criações desde que a garotada pintou a cara para botar Fernando Collor para fora do governo. As mulheres-lixo e os homens-lixo dificilmente desaparecerão das ruas. Juntam-se a grandes idéias, como o amarelo das Diretas-Já, a vassoura de Jânio Quadros e as filas-bobas dos cinemas, inventadas pelo Colégio Pedro 2º. (Os garotos chegavam à bilheteria, fingiam surpresa com o preço aumentado e não compravam o ingresso.)
Outras grandes sacadas, como o slogan "O povo unido jamais será vencido" e os porcos ensebados que invadiam repartições públicas, não foram criações nacionais. O slogan era chileno, e os porcos faziam parte da bibliografia dos partidos comunistas do pós-guerra.
A linha-lixo tem uma vantagem. Ninguém precisa se preocupar com a roupa que vai vestir na passeata.

Avanço petroquímico: dinheiro vira capim
O tucanato está construindo na Petroquisa uma das mais interessantes fábulas da modernidade da malandragem política.
Ela começou numa utopia vencida, a dos militares. No governo do general Figueiredo, decidiu-se que o Rio de Janeiro devia ter um pólo petroquímico. Veio o presidente José Sarney e criou o Plano Nacional de Petroquímica. Nele, inventaram uma empresa chamada PetroRio. Nasceu com US$ 12 milhões de capital, e o empresariado foi chamado a pingar um dinheirinho no negócio. A Petroquisa ficou com 35% das ações e, como mandava a idéia da época, caberia ao Estado alavancar o progresso.
Boa parte do ervanário foi usado na compra de 9,5 milhões de m2 de terreno em Itaguaí. Algumas lascas foram para empresas de consultoria e, é óbvio, criaram-se alguns empreguinhos. O pólo petroquímico do Rio nunca passou de uma idéia. Mudou a utopia, a Petroquisa foi extirpada, e os empresários receberam de volta uma parte do que haviam pingado.
Sobraram a gleba de Itaguaí e US$ 7 milhões, dinheiro em qualquer lugar do mundo, menos no Brasil. O terreno é uma imensa plataforma coberta de capim. Como se teme uma invasão, é vigiado até por polícia montada. Serviu, há poucas semanas, para uma festa da prefeitura, com rodeio e Chitãozinho e Xororó.
Os US$ 7 milhões do matagal petroquímico foram administrados por um diretor da Petroquisa, Francisco Chiara. Um dia foi-se olhar as contas e resultou o seguinte: tinha posto US$ 3 milhões no Banco Interunion, US$ 1 milhão no Banco Empresarial e outros US$ 3 milhões no Banco do Estado do Piauí. Os dois primeiros foram liquidados pelo BC, e o terceiro não pagou na hora devida o resgate de um CDB. Talvez a PetroRio tenha sido o único investidor a "micar" tanto no Interunion quanto no Empresarial. Certamente foi o único investidor que se manteve prudentemente afastado dos bancos sólidos. Segundo Chiara, essa estratégia lhe permitiu retornos superiores às taxas de mercado. Segundo a realidade, atolou US$ 4 milhões, hoje retidos pelo Banco Central.
Os sócios privados da PetroRio pediram, e conseguiram, o afastamento de Chiara. Tentou-se afastá-lo também da diretoria da Petroquisa, mas aí a porca torceu o rabo.
Essa é a última do doutor Joel Rennó, presidente da Petrobrás. Ele informou que não o demite. Não se pode dizer que o mantém pelo que entende de finanças, muito menos por ser o administrador de capim mais caro do mundo. Chiara é secretário nacional do PTB. Dizendo melhor: é antes de tudo secretário do PTB.
Quando o ministro-chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho, resolver desafiar alguém a mostrar uma só indicação política feita pelo governo, deve ressalvar essa diretoria da Petroquisa. A menos que jure sobre o balanço das Indústrias Villares que, enquanto trabalhou naquela empresa, jamais desperdiçou semelhante tipo de talento.

Fernão Bracher
(62 anos, presidente do banco BBA, com nove anos de vida e patrimônio acima de US$ 400 milhões)
*
- O senhor está nervoso com o câmbio?
- Estou preocupado com a sustentabilidade da nossa política de sobrevalorização da moeda. Primeiro porque, a longo prazo, ela torna o Brasil mais vulnerável diante das volatilidades do mercado. Depois, porque fizemos uma abertura comercial atabalhoada que jogou nossas empresas inesperadamente na concorrência internacional. A globalização é um fenômeno saudável, e as empresas estão reagindo bem. Mas não é racional que elas tenham que ir para a briga carregando nas costas o peso adicional de uma moeda que lhes dificulta as vendas. Como o real está caro, as mercadorias brasileiras chegam caras ao mercado externo. Eu tenho um amigo diplomata que me contou o seguinte: ele está há três anos num país e já viu 20 missões de autoridades e empresários embarcarem para o Brasil para vender seus produtos, mas nunca viu desembarcar uma só missão brasileira vender as nossas mercadorias por lá. Em compensação, já viu 20 missões de ministros e banqueiros brasileiros (inclusive eu) irem buscar empréstimos no país. Esse dinheiro destina-se a pagar o que compramos às missões que vieram nos vender os produtos deles. O real precisa ser desvalorizado. Em quanto, não sei, mas sei para quê: para ficar num nível capaz de quebrar esse circuito de comprarmos muito e vendermos pouco.
- Quanto tempo vai durar essa sobrevalorização? Há o risco de acabar numa explosão?
- Não acredito em explosão porque tenho absoluta confiança no comando da política econômica. O presidente Fernando Henrique Cardoso sabe o que está fazendo. Há uma lógica na conduta do governo. Eles acham que, se mexerem no câmbio daqui a 18 ou 24 meses, mexerão menos, com menos impacto. No ano passado, trocamos US$ 16 bilhões de investimentos de curto prazo por uma quantia maior, em operações de médio prazo. As reservas ganharam em qualidade. Além disso, as privatizações renderão US$ 60 bilhões. A posição do governo tem sua lógica. Não é vodu. Eu penso diferente, acho que devia mudar o câmbio aos poucos, desde já, mas reconheço a consistência do argumento contrário.
- O enlouquecimento da Bolsa é um mau sinal?
- É o oposto, um bom sinal. Todo mundo repete que, por causa das experiências passadas, os alemães se tornaram um povo naturalmente apavorado com a inflação. A última loucura da Bolsa foi feita por brasileiros, não por estrangeiros. Talvez os investidores brasileiros estejam se tornando seres naturalmente apavorados com a balança de pagamentos. Olham as contas externas, temem pelo futuro e se apavoram. É um tipo novo de nervosismo e talvez seja saudável. O sofrimento dos anos 80 nos ensinou a ter medo das contas externas.

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