São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A parabólica do Serjão e a ilusão dos inocentes

ALOIZIO MERCADANTE

Quem diria? O ministro Sérgio Motta, sócio do presidente no latifúndio de Goiás, caixa da milionária campanha de FHC em 1994, responsável pelo balcão de vendas do sistema Telebrás e que divide o papel de porta-voz, na função de porta-desaforos, aderiu ao nhenhenhém da oposição na política econômica!
As declarações públicas contra a âncora cambial e a vulnerabilidade externa do país, além de sua incompatibilidade com o crescimento econômico sustentado, vêm ao encontro das críticas que a oposição tem sustentado desde o início do real.
A trajetória da vulnerabilidade externa estava dada desde o primeiro momento do real, quando os que alertavam para a armadilha recessiva e de fragilização externa cometiam "erros de avaliação".
Na crise do México, quando advertíamos novamente para os imensos riscos da política de abertura comercial, âncora cambial com sobrevalorização da taxa de câmbio e sua combinação perversa com elevadíssimas taxas de juros, fomos desqualificados como "nhenhenhém da oposição". No efeito Tequila, o governo teve de desvalorizar em 7% o câmbio e mudar o regime para o sistema de bandas, mas não corrigiu o erro fundamental.
Hoje, as importações explodiram de um patamar de US$ 25 bilhões em 1993 para mais de US$ 60 bilhões neste ano, sem a contrapartida das exportações. O déficit de transações correntes pulou de US$ 1,7 bilhão em 1994 para cerca de US$ 35 bilhões neste ano. O setor privado está endividado em dólar e o governo é obrigado a lançar títulos públicos indexados ao dólar, as NTN-D. Mas a equipe permanece confiante por meio do porta-bobagens, responsável pela área externa do Banco Central. Na teoria do "déficit bicicleta" o que importa é a conta de capital! Agora, também na conta de capital as coisas vão muito mal. As privatizações avançam sobre as jóias da coroa, os juros pararam de cair, medidas protecionistas são tomadas disfarçadamente e o país perdeu cerca de US$ 5 bilhões no primeiro semestre, antes da turbulência dos tigres asiáticos.
Estamos totalmente vulneráveis a um ataque especulativo contra o real, com déficit de transações correntes de 4,5% do PIB. Nossos indicadores macroeconômicos são piores do que os tigres que desabaram na última semana.
A segunda grave decorrência dessa estratégia inconsistente é a fragilidade financeira do setor público. O funcionalismo federal não tem reajuste há 30 meses, na área da saúde faltam vacinas e o abandono da população nas filas dos hospitais é revelado nas chacinas dos idosos na clínica Genoveva, na hemodiálise de Caruaru ou no massacre dos recém-nascidos de Fortaleza e Campinas. Alguns Estados da federação se assemelham a pacientes terminais como Alagoas, com sete meses de atraso salarial, assistido passivamente pelo mesmo governo que fez com atropelos o Proer.
A crise fiscal se manifesta de forma dramática na rebelião dos policiais militares em todo o Brasil. E a dívida pública mobiliária saltou de R$ 65 bilhões para mais de 185 bilhões neste período de FHC! O governo corta gastos e aumenta a receita, mas a fragilidade financeira-fiscal aumenta, alavancada pela taxa de juros, principal instrumento para fechar o balanço de pagamentos e grande responsável pela ingovernabilidade dos Estados mais pobres e endividados da federação.
Na área social, a exclusão social vai ganhando seu contorno mais perverso. As taxas medíocres de crescimento resultantes da combinação entre âncora cambial e juros altos, associadas ao aumento das importações e reestruturação produtiva, vão promovendo um contexto dilacerante de falências e desemprego nos grandes centros urbanos.
Os dados da pesquisa Seade-Dieese revelam uma precarização crescente do mercado de trabalho. Cai o número de trabalhadores com carteira assinada e aumenta a economia informal, que acomoda a massa de desvalidos de forma cada vez mais degradante. Entre julho de 1994 e março de 1996, segundo o Ministério do Trabalho, foram eliminados 733.177 empregos formais na economia brasileira, onde entram no mercado de trabalho cerca de 1,8 milhão de jovens por ano. Os rendimentos máximos dos 10% mais pobres, beneficiados com a primeira fase da estabilização, caíram 14,8% neste ano, na Grande São Paulo. Os sindicatos urbanos começam a se movimentar e no campo a luta dos sem terra avança, organizando uma parcela pequena das vítimas de uma política agrícola que diz ter assentado 100 mil, mas dispensou cerca de 400 mil famílias nestes três anos.
A parabólica do Serjão é parte do processo de desmanche da ilusão dos inocentes. Acontece que a crise que tenta ser adiada para o após-reeleição será tanto maior quanto mais tempo perdemos para os ajustes inevitáveis na política cambial e de comércio exterior. E o Brasil não pode perder a tênue chama de esperança e auto-estima de seu povo, utilizada de forma tão irresponsável pela coalizão conservadora que sustenta FHC, que mantém a estabilidade da moeda, desestabilizando o país, no vale-tudo da reeleição.

Texto Anterior: Dívida pública
Próximo Texto: Saques nos fundos foram moderados
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.