São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
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PMs e a retórica da ordem

LUÍS NASSIF

Vamos esquecer por alguns momentos o oportunismo político que marcou as manifestações populares das últimas semanas, a falta de um discurso claro de oposição e a tentativa de grupos mais irresponsáveis de insuflarem policiais militares a enfrentar a ordem.
Fiquemos apenas no mote inicial das manifestações: o salário de R$ 250 para um soldado da Polícia Militar e a tal ordem.
Trata-se de função tipicamente de Estado. Salários dessa ordem criam duas distorções fundamentais: levam um sujeito armado a participar de manifestação contra a "ordem" e, fora dessas manifestações episódicas, colocam esse sujeito armado, e com esse salário, garantindo a "ordem".
O que se pretende? Manter-se essa "ordem"? Supor que essa "ordem" garanta a segurança do cidadão? Está certo que não se conseguem resolver todos os problemas do Estado da noite para o dia. Mas qual o sinal de que essa situação iníqua está se revertendo? Nenhum.
A lógica do acomodamento sugere que se inicie, hoje, processo de reverter essa situação, para colher-se os primeiros frutos daqui a alguns anos. Mas esse processo se iniciou? Longe disso.
Em quase todos os Estados, observa-se esse pacto iníquo entre a oficialidade da PM e os governos dos Estados, visando não melhorar a segurança do cidadão ou a situação da tropa, mas em garantir salários e aposentadorias aos oficiais.
Grande parte dessa oficialidade não se comporta como comandantes autênticos, compartilhando das agruras da tropa. Encastelam-se em escritórios, muitas vezes utilizando suas energias apenas para aumentar o número de oficiais, garantir aumento dos seus próprios vencimentos e aposentadorias iníquas. E valer-se, como trunfo, do presumível controle que manteriam sobre a bugrada dos R$ 250. Controle, aliás, que não existe mais.
Excesso de oficiais aposentados, excesso de oficiais na ativa, comandando exércitos de brancaleones, uma tropa onde campeia o bico e a contravenção, como alternativa de sobrevivência.
Privatização da segurança
A privatização da segurança pública virou realidade quase irreversível nesse país de privilégios. E, onde, o questionamento à estrutura da tropa, ao excesso de oficiais? Onde as avaliações sobre a quantidade de policiais militares pilotando escrivaninhas? Onde os balanços sobre recursos públicos aplicados na segurança e os resultados pífios alcançados?
O desafio maior à ordem não partem de meia dúzia de pés-rapados reivindicando salário de sobrevivência. Parte do poder de que se revestiu a oficialidade, para garantir seus privilégios e a falta de critérios com que são aplicados os recursos destinados a garantir a segurança pública.
Recentemente, a PM paulista teve seus métodos questionados, devido às cenas escabrosas de Diadema. O governo do Estado tomou algumas decisões para enfrentar o poder da oficialidade. Dias depois, houve manifestação de sem tetos. Em vez de uma tropa de choque, enviou-se ao local uma patrulha armada, que matou pessoas.
Quem manda tropa armada enfrentar povo ou é incompetente ou quer criar um confronto. Em qualquer hipótese, se exigiriam medidas objetivas de punição. O que resultou desse episódio? Nada.
Quem mantém a cidadania como refém? Os gatos pingados que extravasam, agora, a marginalidade na qual foram lançados, ou episódios como da morte dos sem teto?
Não se defenda a baderna, mas a reestruturação desse poder.
Na condição de contribuinte, não aceito que impostos que pago sejam aplicados em uma estrutura ineficiente, que não garante a segurança da população e nem o controle da tropa.
Não aceito que a segurança de minha família e dos meus conterrâneos esteja nas mãos de quem ganha R$ 250 por mês. Não aceito que a segurança das famílias brasileiras dependa da capacidade financeira que tenham para contratar milícias particulares.
Exijo que me expliquem se a proporção entre oficiais e tropa é adequada. Exijo que me provem que a atual estrutura de salários da PM é a mais adequada para garantir o fim único que justifica a existência dessas organizações: a segurança do cidadão. Finalmente, solicito a algum gênio administrativo que informe como será possível manter tropas disciplinadas e responsáveis, com salários dessa natureza.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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