São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
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Os primeiros agricultores

DA NEW SCIENTIST

Genética ajuda a traçar a história das populações que domesticaram plantas e animais
Se você tivesse uma escolha, que tipo de pessoas gostaria que nossos ancestrais tivessem sido? Ambiciosos, criativos, pessoas que semearam a civilização ocidental, ou homens rudes, nada sofisticados, que não pensavam em nada mais do que "onde encontraremos comida?".
Se você veio da linhagem européia, então a noção de que você descende de um bando de agricultores aventureiros, que abarcaram a Europa cerca de 10 mil anos atrás, transformando dramaticamente a pré-história humana, tem uma certa atração.
"É assim que a maioria das pessoas gostaria de ver as coisas", disse Marek Zvelebil, arqueólogo da Universidade de Sheffield, no Reino Unido. A alternativa -que seus antepassados eram tipos simples, procuravam alimentos nas árvores e plantas- não é boa para o ego, sugere Zvelebil.
"Quem, depois de tudo, desejaria lembrar de caçadores-coletores, cujo principal propósito na vida era ter relações ecológicas com avelãs, como seus ancestrais?"
Se as novas pesquisas genéticas estiverem corretas, prepare-se para admitir que é o amante das avelãs.
Caçadores-coletores
Esses grupos viviam caçando animais e coletando raízes, frutas e outras plantas. Mais tarde, eles se dedicaram à agricultura, habilidade que aprenderam majoritariamente de seus vizinhos.
A expansão da agricultura através da Europa tem sido debatida há anos e tem sido estudada juntamente com outro aspecto: a expansão dos idiomas indo-europeus.
Indo-europeu é a superfamília linguística que inclui todas, exceto um punhado de idiomas falados na Europa moderna.
Até recentemente, a maioria dos arqueólogos preferia a idéia de que essas línguas seguiram, na garupa de cavalos, o caminho dos guerreiros que invadiram o norte da Europa com a idéia de conquistá-lo.
Esse quadro mudou há uma década, quando o arqueólogo Colin Renfrew publicou o livro "Archaeology and Language".
Nele, Renfrew afirma que os novos idiomas vieram sobre arados (metaforicamente falando) e não em cavalos.
Em outras palavras, a expansão da agricultura e dos idiomas indo-europeus veio "carregada" pelas mesmas populações migrantes que afundaram as populações residentes de caçadores-coletores.
Elas teriam vindo do Oriente Médio e em paz, não do norte da Europa e com intenções de guerrear, e teriam chegado 10 mil anos atrás, no começo do período Neolítico, em vez de há 5.000 anos, como se pensava.
Mudando a teoria
Os resultados da equipe de Oxford mudam a teoria de Renfrew. Eles sugerem que muito poucos agricultores migraram do Oriente Médio para a Europa 10 mil anos atrás, fazendo sua contribuição para o pool genético menor dos europeus modernos, não os sobrepujando, como a teoria atual sugere.
Sykes diz que sua visão da pré-história poderia fornecer o padrão genético como o vemos nos europeus modernos.
Essa visão é ainda compatível com a idéia de Renfrew de que o indo-europeu veio do Oriente Médio porque, como aponta Sykes, "a migração da linguagem não requer a migração de pessoas".
Esse novo ponto de vista é baseado em análises de como variações encontradas no DNA mitocondrial estão distribuídas entre populações modernas da Europa e do Oriente Médio.
O DNA mitocondrial é o material genético encontrado dentro de estruturas chamadas mitocôndrias, responsáveis pela produção de energia dentro das células do corpo. Esse DNA é um poderosa ferramenta para traçar a história de ancestrais humanos por várias razões.
Mais mutações
Primeiro, porque acumula mutações mais rapidamente do que o DNA do núcleo, o que significa que, mesmo num período de tempo relativamente curto, as diferenças genéticas aparecerão em diferentes subpopulações.
Segundo, porque o DNA das mitocôndrias é herdado da mãe, e assim não há mistura de genes maternos e paternos através da recombinação (como acontece no núcleo), fazendo com que a reconstrução da história das populações seja direta -pelo menos em princípio.
Imagine que os membros do primeiro grupo de migrantes tinham DNA mitocondrial com a mesma sequência de nucleotídeos (os tijolos que formam o DNA).
À medida que o tempo passou e a população cresceu, as mutações começaram a se acumular, produzindo diferentes coleções de sequências, que constituíram as chamadas linhagens, pois elas vieram de uma mesma molécula ancestral de DNA mitocontrial.
A análise do DNA mitocondrial só é válida se for considerado que a taxa de mutação é constante ao longo do tempo.
Por exemplo, se uma mutação se acumula num trecho do DNA a cada 10 mil anos e o número de mutações verificadas nos humanos modernos é cinco, então pode-se dizer que essa população se estabeleceu 50 mil anos atrás.
Embora Renfrew afirme que a análise desse material "tenha um potencial de informar sobre a história de populações", diz que, por razões técnicas, os dados de Oxford podem estar desinformando em vez de informar.
Ele não é o crítico mais severo. Luca Cavalli-Sforza, geneticista da Universidade Stanford (EUA), acredita que a equipe de Oxford está trabalhando com o plano errado.
Para Cavalli-Sforza, há tantos problemas técnicos em usar DNA mitocondrial para inferir a história de populações, que ela acaba não sendo digna de confiança. Ele prefere trabalhar com o material genético que fica no núcleo.

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