São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Nina Simone
EDSON FRANCO
Os anos passaram, a voz perdeu parte do viço, mas a cantora e pianista norte-americana ainda conserva intata a honestidade na música que faz. Isso torna a apresentação dela um daqueles acontecimentos que geram arrependimento nos ausentes. Pelo que se viu anteontem, em sua estréia no Bourbon Street, é preciso um certo preparo espiritual para sorver tudo o que de essencial o show da cantora pode ter. Com isso em mente, saiba que aquela voz grave e tonitruante ouvida em discos ou shows anteriores já não tem a mesma firmeza, segurança e potência. Qualquer nota sustentada por mais de dois segundos resultava num farfalhar vocal que tornou ainda mais dramática a performance de Simone. Compreensiva, a platéia que lotou a casa sublimou os defeitos e aplaudiu o esforço da cantora para criar espasmos que lembravam a velha forma. Afro Simone passou cerca de uma hora despindo sua música de todos os adereços desnecessários. A formação da banda indicava isso. Bateria, percussão, piano (essencialmente um instrumento percussivo) e guitarra trouxeram os arranjos para aquilo que eles tinham de mais essenciais, africanos, tribais. Por vezes, o fervor percussivo fez algumas canções virarem um verdadeiro mantra africanizado. Música e religião trocaram figurinhas durante a apresentação. Simpática, Simone dançou, fez piadas, conversou com a platéia (em geral e individualmente) e tentou fazer todos cantarem "We Shall Overcome" em pé. Tomando como base o repertório apresentado no Bourbon, aqueles que forem ao Ibirapuera hoje podem ouvir "My Way" quase transformada em ponto de umbanda -ficou ótimo- e uma versão reverenciosa de "Woman no Cry", de Bob Marley. No show de sexta, a música do jamaicano fez parte de uma série que a cantora usou para homenagear o que ela chama de nossos heróis mortos. Além de Marley, a cantora homenageou Martin Luther King por meio da blueseira "King of Love". Muita coisa pode ter mudado na cantora, menos a veia crítica. Faça o impossível para ouvir a voz dela hoje, antes que ela suma de vez. Show: Nina Simone Quando: hoje, às 16h Onde: parque Ibirapuera Texto Anterior: Cerâmica mostra rotas de migração Próximo Texto: Nóbrega entorna caldeirão musical Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |