São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
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Democracia devolve Bolívia a ex-ditador

RODRIGO BERTOLOTTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Dois ex-ditadores bolivianos, dois cenários. Luis García Meza hoje ocupa cela em uma prisão de segurança máxima, enquanto Hugo Banzer volta à cadeira presidencial do Palácio Quemado.
Em um país em que o número de golpes de Estado (189) superara o de anos de independência (172), Banzer conseguiu a proeza de governar ditatorialmente por sete anos (1971-78) e retornar para mais cinco anos como presidente, desta vez eleito.
Ele deve ser ratificado pelo Congresso do país no início de agosto e assumir a Presidência no dia 6, apoiado por uma megacoalizão. A oposição fica a cargo do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), partido mais tradicional do país, do atual presidente, Gonzalo Sánchez de Lozada.
O chileno Augusto Pinochet foi derrotado por um plebiscito, o argentino Jorge Videla por um processo judicial, o paraguaio Alfredo Stroessner por um golpe militar e o nicaraguense Anastasio Somoza por uma revolução socialista.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista telefônica dada à Folha por Banzer.
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Folha - Os EUA querem acelerar a formação da Alca (Área de Livre Comércio Americana), enquanto o Mercosul prefere respeitar as datas pré-determinadas. Qual vai ser a posição de seu futuro governo?
Hugo Banzer Suárez - Temos de chegar a um acordo. Uns querem correr, e outros freiam o processo de integração. Acho que sempre há uma solução intermediária.
Folha - Qual é o futuro da Bolívia dentro do Mercosul?
Banzer - A agenda com o Mercosul deve ser acelerada. O Brasil é um colosso em desenvolvimento, e nós temos de participar disso. Interessa-nos o progresso da Argentina e do Brasil por sermos países fronteiriços e sócios no bloco.
Com o Brasil, o gasoduto binacional é o assunto principal. Eu tive o privilégio de ser o primeiro presidente boliviano a tocar nesse tema com um colega brasileiro. Foi com o general Ernesto Geisel. Espero estar vivo quando o gasoduto entrar em funcionamento.
Folha - A integração com o Chile, também sócio do Mercosul, vai deixar de lado o desejo boliviano de recuperar seu litoral, perdido na Guerra do Pacífico (1879-83)?
Banzer - A reintegração física do mar que o país tinha é um objetivo de todos os bolivianos. O processo de integração com o Mercosul e o Chile nos aproxima da solução e não dilui a questão. Queremos um território com soberania e precisamos da saída marítima.
Em 1973, quando Pinochet subiu ao poder no Chile, nós quase solucionamos o caso. Seu governo estava isolado internacionalmente e achou apoio em mim.
Pinochet aprovou uma fórmula para a Bolívia ter de volta seu mar, mas a proposta não foi adiante.
Folha - Seus aliados e adversário o chamam de "senhor dos tempos", por entender o ritmo político e sobreviver à todas as épocas. O sr. assume esse apelido?
Banzer - Bom, não é bem assim. Sou um político que procura o diálogo, tanto na década de 70 quanto agora. Eu consegui em 1971 que forças políticas se unissem. Elas me trouxeram de um país vizinho (Argentina) para tirar o país do caos e reorganizá-lo socialmente.
Depois, em 1985, fui o mais votado pela população, mas perdemos no Congresso para o segundo colocado nas urnas (Victor Paz Estenssoro). Apoiamos esse candidato porque o país devia sair do capitalismo de Estado para um sistema econômico liberal.
Em 1989, fiquei em segundo na votação e dei apoio a Jaime Paz Zamora. Mas, desta vez, ganhei a eleição, fiz a aliança, e a Presidência não me escapa.
Folha - O partido Condepa (Consciência de Pátria), seu aliado, prega a retomada de valores indígenas e um modelo isolacionista. Isso não é muito distante das idéias liberais de seu partido?
Banzer - O Condepa prega o endogenismo, que propõe o desenvolvimento de dentro para fora, aproveitando nossa origem multiétnica e os valores quíchuas, aimarás e tupi-guaranis. Essas culturas estão marginalizadas.
Essa teoria não foi posta à prova, mas pode ser harmonizada com as nossas propostas. Vai haver uma economia de mercado solidária, com conteúdo humano.
Houve mais discrepância quando nos aliamos ao MIR (Movimento da Esquerda Revolucionária), porque é de tendência socialista e quer o capitalismo de Estado. Mesmo assim, nos unimos.
Folha - O atual governo quis enfraquecer a sua coalizão, apontando a ligação do MIR com narcotraficantes. O que o senhor achou dessa atitude?
Banzer - A intenção do governo que se retira era isolar o MIR para poder entrar na nossa coalizão e seguir no poder. Isso não foi possível, porque o suposto vínculo de traficantes seria com alguns membros do MIR e não com o partido em seu conjunto. É um problema que afeta umas poucas pessoas.
Folha - Tanto o atual governo quanto o futuro mandaram delegações a Washington, para explicar para o Departamento de Estado esse suposto vínculo. Isso não mostrou uma extrema submissão da Bolívia perante os EUA?
Banzer - O atual governo contratou uma agência norte-americana para desfigurar nossa coalizão. Descobrimos isso e mandamos uma delegação para esclarecer isso ao governo dos EUA. Não nos submetemos a ninguém. Somos um país livre e independente, mas estamos conscientes de que pertencemos a uma órbita que gira em torno dos Estados Unidos.
Folha - No centro da relação com os EUA está a plantação da coca ilegal e a produção de cocaína. Como o governo vai lidar com isso?
Banzer - Temos a vontade política de tirar a Bolívia do circuito do narcotráfico, porque isso prejudica nossa imagem no mundo. Vai ser um grande esforço, contando com o apoio da comunidade internacional, porque os nossos recursos não são suficientes. O esforço de cinco anos vai acabar com a plantação ilegal de coca.
Folha - Os líderes dos plantadores de coca prometem defender o cultivo até as últimas consequências. Crê em um conflito armado?
Banzer - Eu espero que não cheguemos a isso e que o diálogo resolva tudo. Daremos oportunidade aos plantadores de coca para cultivarem outros produtos com lucros aproximados.
Folha - Dois presidentes bolivianos em regimes militares tiveram destinos bem diversos: o sr. volta ao poder, enquanto o general García Meza cumpre prisão por 30 anos, responsabilizado por 49 mortes. Como o sr. analisa isso?
Banzer - Bom, tivemos conjunturas diferentes. Eu fui convidado por partidos políticos -não só pelo Exército- para tirar o país do caos e restabelecer a ordem.
O governo da época era uma ditadura. Assumi um outro governo militar, porque não se pode passar direto do caos à democracia.
Quando consegui recuperar os valores constitucionais, eu convoquei eleições. O general García Meza deu um golpe, caiu, foi processado, condenado e está na prisão. Ele viveu outras circunstâncias, e sua carreira não pode ser comparada à minha.
Folha - À exceção do general chileno Augusto Pinochet, as figuras políticas dos anos 70 já desapareceram do cenário mundial. O senhor se sente um sobrevivente?
Banzer - Não quero parecer um caso raro. Sempre acreditei na democracia e no meu governo de 1971 a 1978 consegui um crescimento econômico de 6% ao ano, coisa que não se repetiu na democracia -agora, ronda os 4% anualmente. Esse desenvolvimento criou uma estabilidade social e congelou as intenções de golpe, coisa que possibilitou a volta ao sistema democrático.
Folha - Alberto Fujimori, atual presidente do Peru, também justificou que seu autogolpe foi necessário para consertar o caos do país. Isso se justifica nos anos 90?
Banzer - Peço desculpas, mas não gostaria opinar sobre o que acontece em outro país. Só falo da Bolívia, do meu partido e de mim.

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