São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
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Caso Cpem: revelações e incógnitas

PAULO DE TARSO VENCESLAU

O objeto das minhas denúncias tem duas faces: de um lado, a Cpem e suas atividades; de outro, a um só tempo, a direção do PT e algumas personalidades isoladas. Vejamos a que resultados chegou a Comissão Especial de Investigação sobre cada um desses aspectos.
O relatório conclui que empresas como a Cpem elevam "de forma imoral, ilegal e criminosa seus ganhos dos municípios que as contratam" (pág. 56).
E mais adiante, "a fórmula de pagamento inserida nos contratos-padrão da Cpem (...), maliciosamente pactuada, conduziria a valores de pagamento muito superiores" (pág. 56). Eu dizia que a Cpem era inidônea, e seus serviços, perniciosos para as finanças municipais; a comissão o concluiu com termos muito mais duros. É o quanto basta para que eu me sinta reconfortado.
A opinião pública poderá ver o enorme contraste entre a realidade e as enfáticas declarações de Lula, de que, fosse ele o presidente do PT, não haveria investigação nenhuma, pois não havia o que investigar. Foram necessários quatro anos e um escândalo na imprensa para que a disposição de Lula fosse vencida. Avancemos.
Quando analisa a relação da Cpem com Roberto Teixeira, compadre de Lula, e seu irmão Dirceu, a comissão afirma: "Temos por induvidoso que Dirceu Teixeira, além de exercer outras atividades junto à Cpem, efetivamente vendia para municípios os serviços dessa empresa. E, ao que nos parece legítimo supor e presumir, recebendo de fato contraprestação pecuniária por isso" (pág. 81). "Dirceu Teixeira efetivamente procurava prefeituras, nas pessoas de prefeitos e secretários (...)", e, "no caso de prefeituras petistas, se fez em alguns casos acompanhar de seu irmão Roberto Teixeira, que colaborou nessas negociações, endossando a qualidade dos serviços da Cpem e apresentando a empresa" (pág. 96).
Sobre o compadre de Lula, o relatório é explícito: "Roberto Teixeira tentou deliberadamente, em todo o seu depoimento, encobrir sua atuação de apresentar a Cpem a prefeituras administradas pelo PT, apesar de todas as suas manifestações anteriores e das demais evidências apontadas por esta comissão. Efetivamente, não queria que sua atuação em favor da Cpem (...) fosse caracterizada" (pág. 96).
E arremata de maneira ainda mais contundente do que eu próprio pudera fazer: "É impossível negar, pois, que Roberto Teixeira não soubesse da suspeita de fraude na atuação da Cpem em São José dos Campos e da possibilidade de que a fórmula de pagamento esboçada em contratos-padrão (...) não pudesse qualificar um verdadeiro engodo para os prefeitos que receberam a sua indicação" (pág. 99).
A direção do PT é responsabilizada, mas só até onde se protege a individualização das responsabilidades. Embora reconheça que a direção foi omissa, a comissão deixa de explorar as perigosas relações de Lula com o caso e, principalmente, as escandalosas conexões que se amarram na figura de Paulo Okamoto.
O relatório diz que "a omissão de Lula não pode ser considerada um problema imputável apenas ao presidente de honra do PT. Toda a Direção Nacional se omitiu" (Conclusões). Ora, como o próprio Lula reconheceu, já em 1993 eu fizera reuniões com ele e os Teixeira para relatar os fatos provados hoje.
Lula sabia de tudo desde junho de 1993. Não obstante, continuou morando na casa de Roberto Teixeira. E se o compadre fosse representante de uma empreiteira? Qual a diferença? Nesse caso, o relatório é extremamente generoso. De um lado, afirma que "a decisão de Lula vir a morar nesse imóvel partiu da própria direção de sua campanha presidencial". De outro, conclui tratar-se de uma "questão de foro íntimo (...), em relação à qual a esta comissão em nada cabe analisar, ponderar, recomendar ou propor" (Conclusões).
Pelo menos a comissão deixou clara a omissão de Lula e da direção partidária diante da atuação da Cpem e do compadre de Lula. Mas e a protegida e misteriosa figura de Paulo Okamoto?
Vejam o que diz o relatório: "Torna-se imprescindível observar que a ex-prefeita de São José dos Campos Angela Guadagnin chega a confirmar literalmente o depoimento de Paulo de Tarso Venceslau no que concerne a ter Paulo Okamoto solicitado a relação de fornecedores da prefeitura para fins de captação de recursos para o partido" (pág. 109).
Questionado sobre esse fato, Okamoto responde com um contorcionismo impagável: "Não diria que eu pedi uma lista, mas pedi para ela uma relação (...)" (pág. 112). Questionado sobre a abrangência de suas atividades, declarou: "Olha, tenho conversado com quase todos (os prefeitos)" (pág. 112). "Como eu falei para você (...), tenho me especializado em tentar contribuir no partido nessa área" (pág. 111).
Entretanto, segundo os depoimentos de José Dirceu, Lula e Clara Ant (págs. 107 e 108), Okamoto não tem nenhuma função partidária desde 1992, não foi autorizado por ninguém, todos alegam desconhecer essas atividades, relatadas pelo próprio. Ora, em nome de quem Okamoto confessadamente circulava (não sei se ainda circula) na sua "especialidade"? Como a direção do PT não sabia, não controlava, não impedia essa desenvoltura?
Arlindo Chinaglia, presidente regional do PT de 93 a 95, além de ratificar o depoimento da tesoureira, diz que "chega a registrar, embora não relacionando essa situação a qualquer atuação de Paulo Okamoto, que há comentários de que possa existir uma estrutura de arrecadação paralela..." (pág. 108).
Apesar das inevitáveis e anunciadas limitações desse relatório, sua ampla divulgação deverá contribuir para que a militância tenha consciência dos mistérios envolvendo a direção do partido.

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