São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
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A 'marca Brasil', uma utopia publicitária

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A TV Cultura prestaria um serviço público digno de um canal estatal caso reprisasse o "Roda Viva" da penúltima semana, com o publicitário Nizan Guanaes, da DM-9, premiadíssimo em Cannes. O programa concorre na condição de favorito ao prêmio "Tucano de Ouro - Versão 97". Quem não viu, nem sabe o que perdeu.
Enquanto a reprise não vem, segue abaixo um pot-pourri do que foi dito sobre o Brasil, assunto dominante da noite de gala.
Isto é Guanaes:
"O Brasil é a bola da vez."
"Nós somos a próxima grande potência do mundo. O Brasil tem de parar de ser modesto consigo mesmo, porque a natureza não foi."
"O problema é que nós somos católicos, nós achamos que vender é uma coisa menor, temos angústia de ganhar dinheiro, é uma coisa triste."
"Éramos uma grande Albânia tropical. Isso está mudando. O Brasil está se abrindo ao mundo."
"É preciso criar encantamento, envolvimento em tudo -na marca Brasil. Precisamos começar a nos vender como país."
"O Brasil é como um gordo num spa. Você está num spa, todos os seus índices estão melhorando, mas você está triste. Você está numa churrascaria, todos os seus índices estão piorando, mas você está alegre."
"O governo tem de entender que comunicação é fundamental para dizer a esse gordo chamado Brasil: rapaz, você está ficando um gato."
"A propaganda tem de estar, sim, discutindo a agenda do país."
"O Brasil é uma Luana Piovani que tem de se convencer de que é gostosa."
*
Que pensar de tão fino biscoito?
Primeiro, que depois de desbancar os políticos, hoje reduzidos a fantoches do ardil publicitário, os papas da propaganda agora assumem o lugar dos intelectuais.
É uma fantástica inversão de papéis: os intelectuais deixam de lado a "masturbação sociológica" e põem a mão na massa, enquanto os publicitários põem o serviço de lado e traduzem para a massa, em jargão apropriado, aquilo que os ex-intelectuais acreditam fazer.
Mas isso é pouco. O traço comum da geração que educou o jovem FHC era a preocupação de que o Brasil se tornasse um dia uma nação de fato, não só de papel e gente queimando como carvão do progresso: "A superação do subdesenvolvimento", segundo Celso Furtado; "a penosa construção de nós mesmos", nas palavras de Paulo Emílio Salles Gomes.
Pois bem. Todo esse esforço coletivo aparece barateado na fala de Nizan. Livre da ganga histórica, salvo das mazelas do passado, o Brasil agora é uma marca, uma boa marca, muito gostosa marca -só é preciso vendê-la. Luana Piovani deve assumir que é gostosa!
Tudo somado, Guanaes figura como um dos grandes acionistas da "Metaforabrás", a estatal mais inchada e enfatuada do momento. Sua nobre tarefa é aliciar. A hegemonia da linguagem publicitária -o traço "cultural" que distingue a nossa época- chegou, enfim, à TV do Estado, dessa vez envolta por uma nuvem "pensante" que nos anuncia chuviscos utópicos.
Diante de tão encantador apelo, difícil é separar a "marca Brasil" da "coisa Brasil". É uma pena que certos botocudos ainda insistam em duvidar que a propaganda nada mais é do que a forma superior de expressão da realidade.

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