São Paulo, quarta-feira, 6 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A privatização dos bolsos

JANIO DE FREITAS

Começa no Rio uma fase nova, já com o sentido de movimento social, nas relações entre a população e as privatizações que produzem alguma consequência na vida das comunidades. Não se trata mais de protestos ideológicos ou de inquietações trabalhistas, mas de reação à descoberta de que as facilidades dadas aos novos controladores de bens e serviços públicos mais agravaram, ou ameaçam fazê-lo, o que a privatização prometia corrigir.
Uma primeira iniciativa de comprometimento dos políticos, até agora indiferentes às causas das comunidades, acontece hoje em uma certa Câmara Comunitária da Barra da Tijuca. Deputados e vereadores estão chamados a uma reunião cujo tema são as vantagens fantásticas com que o governo fluminense acena para o futuro controlador privado dos serviços estaduais de água e esgotos.
A Barra da Tijuca é bem apropriada para a iniciativa: sua modernidade até hoje não inclui esgotos, dirigindo-se os seus luxuosos dejetos para as áreas ditas de preservação ambiental e para fossas de duvidosa eficácia. Daí resulta que as águas locais não são mais confiáveis do que o próprio governo fluminense.
Com tais razões para estar atenta aos serviços prometidos, antes de vislumbrá-los a Barra topou com intenção de que seja obrigada a pagar pelos futuros serviços privatizados já seis meses antes de que as obras para os serviços comecem a ser feitas. Ou seja, a Barra financiaria as obras antecipadamente, ficando o ganhador da privatização dispensado do investimento que é o motivo mesmo da privatização.
Assumir um bem ou serviço para fazer o investimento inviável para o Estado e, depois, buscar o dinheiro nos bolsos da população -essa tem sido a regra maior, de que o Estado do Rio tem tantos exemplos quantas são as privatizações feitas pelo governo federal em rodovias fluminenses. Nos últimos dias as reações se têm sucedido e vão progredir em número e intensidade.
Objeto do golpe criminoso que foi a invenção do risco de desabamento do seu vão central, propalado pelo Ministério dos Transportes ao tempo de Alberto Goldman, a ponte Rio-Niterói deveria passar por obras custosas após a privatização. Não houve senão maquiagem, mas o pedágio foi fixado em função das supostas obras futuras e já se tornou ainda mais alto. Um protesto de usuários fechou a ponte e provocou um congestionamento brutal.
Não é coincidência que os mesmos controladores tenham passado uma camadinha de asfalto em um trecho da estrada de Rio Bonito a Araruama, caminho da Região dos Lagos, que deviam reconstruir e duplicar -e logo passassem a cobrar, nos 28 km, o pedágio que no exterior cobre centenas de quilômetros. A "inauguração" tem duas semanas. Os protestos também.
A Rio-Petrópolis foi interrompida no fim-de-semana, por manifestação de moradores das vizinhanças, que não tiveram qualquer benefício com a privatização, mas pagam o pedágio. Comunidades que o pudor dos economistas define como "de baixa renda", até que essa gente encontrou um ponto em comum com os motorizados que passam pela estrada -também eles não tiveram benefício mas pagam pedágio.

Texto Anterior: Massacre no PA terá julgamento em 97
Próximo Texto: Projeto enfrenta resistência no Congresso
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.