São Paulo, quarta-feira, 6 de agosto de 1997
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Confissões de um covarde

CLÓVIS ROSSI

Jerusalém - A melhor descrição da roleta-russa que é viver em Israel está na edição da revista "The Jerusalem Report" que começou a circular ontem.
"Se o processo de paz recomeçar, haverá aqueles que desejarão tirá-lo dos trilhos. Se continuar congelado, haverá aqueles que desejarão preencher o vazio com a violência", escreve o editor-chefe, Hirsh Goodman.
No máximo, continua, a cooperação entre os corpos de segurança palestinos e israelenses (no momento interrompida) poderá minimizar os riscos.
Conclui: "Mas um homem-bomba suicida (e estima-se que haja 500 deles esperando por aí) inevitavelmente passará. Temos que aprender a viver com essa realidade".
É verdade, mas, ao mesmo tempo, é inacreditável. Obriga a rever certas irritações cotidianas na vida de países menos problemáticos, pelo menos desse ponto de vista, como o Brasil.
Bem ou mal, aprende-se a viver com inflação ou sem ela, com o mês mais comprido do que o salário, com a poluição, com o trânsito infernal, até com a violência comum, que parece insuportável nas grandes cidades.
Por duro que seja, ao menos sabe-se onde mora o perigo ou onde pesam as dificuldades.
Uma coisa é você ir ao supermercado ou à feira e saber que não pode comprar isso ou aquilo. Outra, completamente diferente, é ir ao mercado, comprar o que pode comprar e, no minuto seguinte, explodir junto com um maluco que amarra dez quilos de explosivos no corpo.
Pior: o maluco nunca parece maluco. Cada vez que venho a Israel, após atentados (e sempre os há), não me sai da cabeça um anúncio muito antigo dos bondes de São Paulo, que dizia: "Veja, ilustre passageiro/que belo tipo faceiro/o senhor tem a seu lado/no entanto, acredite/quase morreu de bronquite/salvou-o Rum Creosotado".
Passo o tempo tentando adivinhar que "belo tipo faceiro" tem, em vez de bronquite, uma bomba no corpo.

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