São Paulo, quinta-feira, 7 de agosto de 1997
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Ganha o câmbio, sobe o juro

CELSO PINTO

A queda da inflação para os níveis mais baixos desde 1951 é uma excelente notícia, mas tem desdobramentos em termos de política monetária e cambial que valem a pena examinar.
Medido pela Fipe, o custo de vida ficou em apenas 0,11% em julho e em 5,8% em 12 meses. Como a desvalorização cambial continuou no mesmo ritmo de sempre em julho, o reajuste acumulado em 12 meses chegou a 7,13%.
Cumpriu-se, portanto, o prometido pelo diretor do Banco Central, Francisco Lopes, há um mês, de que a taxa anual de desvalorização passaria a correr entre 1% e 2% acima da taxa do custo de vida. Comparada ao índice da Fipe, a desvalorização ficou 1,3% maior. Comparada ao índice de preços por atacado da indústria, que está correndo ao redor de 5% ao ano, o ganho do câmbio é de 2%.
O ganho de competitividade cambial é ainda maior, porque houve inflação nos parceiros comerciais, que não foi descontada no câmbio. Lopes diz que isso equivale a mais uns 2,5% ao ano.
É um exagero. O custo de vida nos Estados Unidos, nos 12 meses encerrados em junho, ficou em 2,3%. Os preços por atacado, contudo, que refletem mais de perto a variação dos preços dos produtos industriais, cresceram apenas 0,5% ao ano. De todo modo, é um ganho a mais no câmbio brasileiro.
Como quase sempre acontece na economia, contudo, esse ganho não veio de graça. Os juros reais tiveram que subir, para acomodar a aceleração relativa do câmbio sem desestimular a entrada de dólares.
Considerando as taxas de juros dos CDIs em 12 meses, deflacionadas pelo índice de custo de vida da Fipe, a média no primeiro trimestre ficou em 14,9%, e no segundo subiu para 15,2%. Em julho, ela chegou a 16,1%.
Já o chamado cupom cambial, que mede a remuneração aqui de aplicações em dólares, veio caindo sem parar. Olhando o que ocorreu efetivamente no passado (a remuneração do CDI menos a desvalorização cambial), o ganho em 12 meses caiu de 18% em janeiro para 17,3% em fevereiro, 16,3% em março, 15,9% em abril, 15,2% em maio, 14,9% em junho e 14,7% em julho.
Não por acaso, o ritmo de queda do cupom se desacelerou nos últimos três meses, quando o BC parou de baixar os juros. Muitos no mercado acham que ele já atingiu o piso possível para um país que precisa de tanto capital externo para pagar suas contas.
Até porque a conta feita pelo investidor não é o que ocorreu no passado, mas o que ele projeta para o futuro, baseado nas cotações futuras do câmbio e dos juros. E essas cotações futuras têm tido sempre um prêmio em relação ao que, de fato, ocorre.
Se o cupom está perto do piso possível e o governo quiser continuar a manter o ganho no câmbio hoje existente (e até ampliá-lo um pouco), então os juros reais não terão espaço para cair. Em julho, foi preciso aumentar os juros reais para o cupom anual ficar mais ou menos onde estava.
É claro que a queda no índice da Fipe foi influenciada por alguns fatores estatísticos (a alta taxa em julho passado e em junho deste ano). Mas a taxa anual do INPC estava em apenas 5,9% em junho, muito próxima à da Fipe. Apenas o IGP-DI, influenciado pelo IPA geral, estava correndo a 7,5% ao ano em junho.
Em resumo, para acelerar o câmbio sem afastar os dólares, é preciso elevar os juros reais e isso tem um impacto negativo do lado fiscal, porque o governo é o maior devedor. A dívida interna líquida pública, em maio, estava em R$ 269 bilhões, dos quais R$ 243 bilhões em dívida mobiliária (títulos). Cada ponto percentual a mais de juro real pago incide diretamente sobre a dívida mobiliária e influi sobre o resto. Custa, portanto, mais de R$ 2,4 bilhões ao ano.
Pode ser que valha a pena pagar esse preço para estimular as exportações, encarecer as importações e acalmar os ânimos do mercado, como recomendam os defensores de uma aceleração gradual do câmbio. Mas está longe de ser um almoço grátis.

E-maill: CelPinto@uol.com.br

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