São Paulo, quinta-feira, 7 de agosto de 1997
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Uma estrada que leva a Dutra

OTAVIO FRIAS FILHO

Estamos de volta à taxa de inflação registrada em janeiro de 1951. Para ter idéia da distância, foi em janeiro de 51 que Dutra passou a faixa a Getúlio Vargas, sepultando a última experiência de liberalismo econômico que haveria no Brasil até o Plano Real. A partir daí a inflação foi se tornando uma presença crônica.
O próprio Roberto Campos inventou um mecanismo -a correção monetária- pelo qual a inflação se perenizava, sem tornar-se explosiva. Havia um ambiente de idéias, que floresceu entre os anos 50 e 70, que julgava a inflação um sintoma do desenvolvimento acelerado, algo como o desequilíbrio hormonal da adolescência.
Nessa versão benigna, ela seria reflexo de uma superatividade econômica, resultado da necessidade política de crescer sem os recursos disponíveis para tanto. Daí a popularidade da metáfora da febre, sintoma negativo de um processo positivo: o organismo se mobiliza para enfrentar a infecção, no caso, do subdesenvolvimento.
Não sendo este um comentário econômico, ficamos dispensados do debate escolástico que tanto apaixona os economistas. Na percepção leiga, porém, foi só nos anos 80 que a inflação foi identificada como inimigo público número 1, quando a sua imagem de dragão lança-chamas dominava as charges da imprensa.
A incapacidade de conter a "espiral de preços" foi o principal fator na desagregação do regime militar. A febre parecia mais grave que a infecção. Com o Plano Cruzado, em 86, arregimentou-se todo o arsenal patriótico e democrático do desenvolvimentismo contra o novo inimigo, numa mistura justamente chamada de heterodoxa.
Depois de outras aventuras, a inflação foi enfim debelada por um governo que nos leva de volta aos tempos do general Dutra, hoje um nome de estrada. Fecha-se um ciclo, para repetir o clichê, no qual se acreditou que o Estado deveria compensar o atraso, sacando da conta do futuro para financiar uma industrialização compelida.
Mas a convergência não fica na cifra -inflação de 5,81%-, há outras semelhanças além da liberdade para importar. O primeiro ministro da Fazenda do governo Dutra insistia que a vocação do Brasil era "essencialmente agrícola", tese então em voga e que hoje ecoa nos panfletos de Gustavo Franco, o ideólogo do governo.
Como é frequente na sua geração, o novo presidente do Banco Central parece ter um horror quase ecológico à indústria. Para esses revisionistas, a indústria não foi a causa do progresso material, que bem ou mal acumulamos, mas a responsável pelo caos urbano e demais desequilíbrios de um crescimento falso, artificial.
Como as roupas, as idéias econômicas entram e saem de moda. Apesar dos temas mais urgentes, seria bom se os senadores encontrassem tempo para se deter nesse ponto histórico durante a sabatina de Franco. Disso depende o ritmo da nossa desindustrialização, bem como a extensão do "adutramento" do atual governo.

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