São Paulo, quinta-feira, 7 de agosto de 1997
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Robin Hood às avessas

EMERSON KAPAZ

Cada vez mais, a estabilização da economia sinaliza uma dura realidade. Quem não conseguir se adequar, em termos orçamentários, a uma economia com moeda forte e exposta a uma competição crescente estará fadado ao fracasso.
Essa verdade não vale somente para a iniciativa privada. Também se aplica, de forma dura e cruel, aos orçamentos públicos da União, dos Estados e dos municípios.
Hoje percebemos que a grande demanda dos ajustes a serem feitos para consolidar a estabilização passa pela reforma fiscal, destinada a reequilibrar esses orçamentos e sanear as contas públicas.
Partindo desse pressuposto, fica visível a absurda situação criada por alguns Estados, que não priorizam o ajuste fiscal, resistindo a cortar despesas e abrindo mão da arrecadação ao conceder incentivos tributários para atrair a instalação de novas empresas.
Tais incentivos alimentam a chamada guerra fiscal entre os Estados, uma competição kafkiana para determinar quem, ao ceder mais para atrair empresas, perderá mais recursos que poderiam ser investidos em educação, saúde, infra-estrutura, segurança e habitação.
Nesses Estados, a concessão de isenções de ICMS para atrair empresas já beirava o surrealismo. Agora, a situação ficou mais grave. É que alguns governos ensaiam o aumento da alíquota daquele imposto, pressionados pela necessidade emergencial de honrar os compromissos das folhas de pagamentos, que já vinham tendo crescimento vegetativo e agora engordaram, com a elevação dos salários das PMs.
Ou seja, esses Estados bancam o Robin Hood às avessas. Tiraram dos cofres públicos o que pertence à sociedade, para dá-lo a um grupo de empresas. E agora querem que o restante da economia, formado pelo conjunto dos contribuintes, pague a conta.
E, como no Brasil todo aumento de tributos acaba sendo repassado ao consumidor, o resultado será a elevação de preços -algo totalmente contrário à estabilidade obtida pelo Real.
Para dar uma idéia dos prejuízos provocados ao país pela guerra fiscal, basta recordar dois exemplos citados por Luís Nassif (Folha, 31/7): 1) o montante a ser arrecadado pelo governo do Rio Grande do Sul com o aumento do ICMS equivale à metade do que adiantou para uma indústria automobilística instalar-se naquele Estado; 2) a fábrica de outra montadora no município fluminense de Resende já está produzindo 300 caminhões por mês, mas a prefeitura local ainda não sabe como pagar a folha de salários do funcionalismo.
Nesse contexto, ouvem-se vozes no governo federal que elogiam o aumento de impostos pretendido por esses Estados. Visto do ângulo do Orçamento da União, é compreensível que tais autoridades procedam dessa forma, para estimular os Estados a buscarem soluções próprias.
Mas é inadmissível que não se coloque um paradeiro na guerra fiscal antes de imaginar a elevação da alíquota de qualquer tributo. Como justificar que toda a sociedade seja castigada, desembolsando recursos que deveriam ter vindo das empresas beneficiadas pela guerra fiscal?
Além disso, é importante destacar que, até agora, o governo federal não proporcionou uma compensação adequada à perda de arrecadação que os Estados tiveram com a isenção de ICMS às exportações.
Diante dessas dificuldades, elevar o ICMS é uma medida que não encontra justificativa.
De sua parte, o governo do Estado de São Paulo já assegurou que não cometerá semelhante despropósito e continuará a trabalhar no saneamento das finanças públicas, racionalizando os gastos e prosseguindo o programa estadual de desestatização. E insistirá para que o governo federal proporcione uma compensação adequada diante da perda de arrecadação do ICMS com a isenção dada às exportações.
Que a sociedade pressione os governantes, para que a estabilidade da economia não seja solapada por soluções fáceis e irracionais como a elevação de impostos. E que a guerra fiscal acabe de uma vez, para que os orçamentos públicos sejam saneados e para que os Estados possam voltar a investir em benefício da sociedade.

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