São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 1997
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Um escândalo revisitado

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Recém-concluído inquérito da Polícia Federal, encaminhado anteontem ao Ministério Público, trouxe novas informações sobre o banco Nacional. O que já se sabia era suficiente para considerar o episódio uma das maiores e mais deslavadas fraudes da história financeira. Mas a Polícia Federal, depois de longa e detalhada investigação, conseguiu ir mais longe.
O passivo a descoberto, estimado em R$ 7,6 bilhões pela Comissão de Inquérito do Banco Central, agora está sendo calculado em nada menos que R$ 9,2 bilhões. Descobriu-se, também, que o Nacional abrigava mais contas-fantasmas do que se supunha. Após a perícia da Polícia Federal, o número de contas fraudulentas passou de 652 para 1.046. O inquérito concluiu, também, que as fraudes geraram uma receita fictícia de R$ 16,9 bilhões entre 1988 e 1995.
À luz dessas novas informações, convém recapitular algumas declarações recentes. Em abril último, em entrevista à "Veja", Fernando Henrique Cardoso explicou que havia sido contra a criação de uma CPI do sistema financeiro, porque o único objetivo da iniciativa era prejudicá-lo. Aludia ao fato de que a sua nora, Ana Lúcia Magalhães Pinto -uma das 39 pessoas agora indiciadas pela Polícia Federal-, pertencia à família que controlava o banco Nacional.
Segundo o presidente da República, "não havia nenhuma investigação específica de crimes no sistema financeiro". Tratava-se, segundo ele, de "uma CPI no abstrato, com evidentes motivos políticos". Vejam vocês, uma abstração de R$ 9,2 bilhões e 1.046 contas fictícias!
Reparem que essas fraudes no Nacional aconteceram durante anos a fio, desde o final da década de 80, nas barbas do Banco Central, que alega nada ter percebido. No ano passado, em depoimento no Senado, o então presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, declarou que "o Banco Central não conseguiu detectar o problema" e brindou-nos com a seguinte reflexão: "Errar faz parte da atividade humana". Segundo Loyola, o Banco Central só desvendou o esquema das contas fictícias depois da intervenção no banco, em fins de 1995.
As deficiências do sistema de fiscalização do Banco Central são conhecidas. Mas é pouco plausível que uma fraude dessa dimensão, que persistiu por tanto tempo, tenha passado inteiramente despercebida do Banco Central. Fica a forte suspeita de que o Banco Central, nesse como em outros casos, cedeu e omitiu-se em face do poder político de interesses financeiros privados.
Registre-se que o advogado da família Magalhães Pinto, Sérgio Bermudes, em entrevista à "Gazeta Mercantil", na época do depoimento de Loyola no Senado, lamentou que o presidente do Banco Central estivesse sendo "traído pela memória". Segundo Bermudes, "na primeira semana de Loyola no BC, a direção do Nacional o colocou a par de toda a situação do banco em seus pormenores".
Além disso, os ex-administradores do Nacional insinuaram que houve conivência das autoridades. Marcos Magalhães Pinto, ex-presidente do Nacional, em sua defesa, afirmou que as operações consideradas fraudulentas foram baseadas em "múltiplas e sucessivas normas, emanadas das autoridades monetárias, que permitiram que instituições financeiras apresentassem e mantivessem demonstrações contábeis peculiares a exigências conjunturais".
Seja como for, a história continua muito mal contada. Nós, os contribuintes, que fomos convocados a arcar com o grosso da conta, bem que merecemos alguns esclarecimentos adicionais.
Não faltaram lances burlescos nessa novela. Em julho do ano passado, a Promotoria de Justiça, Falências e Concordatas de Belo Horizonte informou que os bens declarados pelos ex-administradores do Nacional não chegavam a cobrir 2% do passivo a descoberto, então estimado em R$ 7,6 bilhões. Na ocasião veio a público que Eduardo Magalhães Pinto incluiu uma lancha denominada "Vida Dura" como um bem que pode ser utilizado para saldar o desequilíbrio patrimonial do Nacional. Esse é o mesmo cidadão que declarou à "Gazeta Mercantil" na época do colapso do banco, em fins de 1995: "Não podem nos acusar de nada. Estamos com a honra intocada. Foi maravilhoso durante dez anos, mas acabou".
Pelo visto, continua valendo uma das frases lapidares de Euclides da Cunha sobre o ambiente nacional: "A atmosfera é magnífica para batráquios".

E-mail pnbjr@ibm.net

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