São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 1997
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A vida, o universo e ahn?

DAVID DREW ZINGG
EM SAMPA

"Sempre examine os dados."
(Groucho Marx)

Outro dia me deixei convencer a ir fazer compras na rua Oscar Freire, aquela que parece saída de outro mundo.
Minha Jennifer queria comprar um presente classudo para o pai dela. Eu estava sentado numa daquelas lojas chiques em que, a se acreditar nas gravuras velhas novas que enfeitam as paredes, todos os vendedores devem passar as horas livres jogando pólo.
A loja estava repleta até a borda de antiguidades e brinquedos masculinos de tipo antiquado. Eu estava lá, apenas esperando minha Jenny e observando os outros clientes, pensando -no meu "modus operandi" usual- em nada em particular.
Eu estava sentado diante de uma espécie de escrivaninha repleta de revistas classudas cujos nomes começam com a letra "V".
Ao lado dos guias sociais havia uma caixinha dourada contendo papel de carta. A folha de cima ostentava duas palavrinhas simples, escritas a tinta, em letras grandes: "Por quê?".
Mas quem quer saber?
Enquanto eu estava lá, sentado, observando aquele "Por quê?", comecei a me indagar por que a pessoa que escreveu a pergunta o fez. Obviamente (talvez) o autor da pergunta era uma pessoa. Pela delicadeza da letra, presumi que fosse uma mulher.
Calculei que ela, assim como o resto de nós, não tinha resposta a dar à pergunta irritantemente provocante.
Talvez ela, como eu, estivesse apenas esperando alguém quando a escreveu, sentindo-se abandonada e só, como eu. Mas a pergunta tem muito mais substância do que a solidão pura e simples. Ela remete às coisas primeiras.
Afinal, por que estamos aqui?
O brilhante físico britânico Stephen Hawking diz que também ele está procurando uma resposta a essa pergunta. Ele relata a história de sua busca por uma resposta num livro chamado "Black Holes and Baby Universes" (Buracos Negros e Universos Bebês).
Hawking respira filosoficamente fundo antes de começar, dizendo: "Desde 1974 venho trabalhando para unir a relatividade geral e a mecânica quântica numa teoria consistente. O resultado é uma proposta... de que espaço e tempo têm extensão finita, mas que não possuem fronteiras ou contornos".
"Eles seriam como a superfície da Terra, acrescida de duas dimensões. A superfície da Terra é finita em área, mas não possui limites", prossegue Hawking.
A seguir o cientista faz um comentário interessante: "Nunca, em todas as minhas viagens, consegui cair da borda do mundo"!!! (Os pontos de exclamação são de tio Dave. A afirmação desse grande cientista me surpreende. Eu, pessoalmente, vivo sentindo que estou caindo da borda do mundo. Será que todo mundo não sente o mesmo?)
Hawking prossegue com sua curiosa teoria de que o mundo não é plano e chega, finalmente, ao âmago da questão da rua Oscar Freire. Ele diz: "Eu teria conseguido descobrir como o mundo começou. Mas ainda não sei porque começou".
O relógio ainda pisca "12:00"
Isso me ajuda muito. Leva a pensar que meu palpite sobre o porquê de estarmos aqui é tão bom quanto o do grande cientista Stephen Hawking.
A verdade é que não sai nadica de nada sobre mecânica quântica. Não sei nem mesmo acertar o relógio do meu videocassete.
Nada disso é problema para o pessoal alegre que acredita em Deus. Mas eu vivo me perguntando: "Se Deus é tão infalível, por que nós saímos tão mal assim?".
Supondo que o Grande Físico nos tenha criado para sua própria diversão pessoal, deve curtir nos observar tanto quanto nós curtimos ver todo o sangue, as entranhas abertas e o sexo que nos são apresentados pela boa e velha TV Globo. (Será FHC o diretor de entretenimento do país, uma espécie de Boni político?)
Se os atores de TV podem procriar nas telenovelas sem uma prévia união sexual visível, será que o Grande Diretor no céu não poderia nos haver dotado de um processo reprodutivo melhor do que o que temos?
E por que Deus teve que criar dois sexos, para começo de conversa? Será que não poderia ter previsto a estática que seria provocada?
Bem-vindo à baboseira
Outro estudioso de profundos conhecimentos, Albert Einstein, costumava pensar muito sobre a preocupante questão do "por quê?"
Einstein costumava dizer: "Nunca vou acreditar que Deus joga dados com o mundo".
Não entendo muito bem o que o velho Albert tinha em mente, não mais do que entendo sua quarta dimensão, mas acho que tenho todo o direito de abrir caminho entre o grupinho restrito dos grandes pensadores -sim, eu também.
Assim, seja bem-vindo à teoria tio Dave da vida, morte e esse papo todo. Acho que a humanidade se desenvolveu a partir da sopa primordial, mas tenho a desagradável sensação de que alguma coisa deu muito, muito errado em algum ponto do percurso.
Talvez o Criador tenha errado ao inventar os dois sexos e permitir que escolhêssemos nossos próprios parceiros.
É claro que já promovemos grandes melhoras em relação àqueles primeiros erros cometidos por Ele. Se você quer provas, basta pensar nas guerras, na criminalidade e no futebol brasileiro.
Quanto à razão de estarmos aqui, Joãozinho, estamos aqui porque não há outro lugar para estarmos. A melhor coisa da Terra é que, pelo fato de ser redonda, não se pode cair dela.
Minha Jennifer voltou, finalmente. Estava de mãos abanando, sem presente para o pai.
"O que você estava fazendo?", perguntou.
"Nada", disse eu. "Pensando, apenas."
"Sobre o quê?"
"Nada. Por que você não pergunta por quê?", disse eu.
Pensamento quadrado
A palavra final sobre temas filosóficos nos vem, hoje, dos homens que deram a Wittgenstein suas primeiras aulas de lógica elementar: os irmãos Marx.
Mesmo quando ainda era adolescente, Groucho já era professor de seu irmão. Ele sempre abordava qualquer assunto com um enfoque novo.
Quando perguntou a seu irmão Harpo qual era o formato do mundo, Harpo (que ainda não se voltara exclusivamente à pantomima) respondeu, com grande franqueza, que não sabia.
Groucho lhe deu uma dica: "Qual é a forma de minhas abotoaduras?", perguntou.
"Quadrada", respondeu Harpo, depois de olhar.
"Quero dizer as abotoaduras que uso aos domingos, não todo dia. E aí, qual é a forma do mundo?"
"Redonda nos domingos, quadrada nos dias de semana", tornou Harpo.

Tradução Clara Allain

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