São Paulo, sábado, 16 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Direitos fundamentais ameaçados

ROSELI FISCHMANN

O tema do ensino religioso em escolas públicas retornou ao noticiário há alguns dias, em função de projeto de lei de iniciativa da Câmara, aprovado ali e no Senado, dando nova redação ao artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), sem nenhuma discussão pública transparente, a qual caberia ao Congresso Nacional promover.
Em dezembro passado, quando da aprovação e sanção da LDBEN, alcançara-se uma vitória cívica, ao ficar claro que não cabe ao Estado nem arcar com o ônus de um ensino que é de matrícula facultativa nem definir conteúdos de ensino religioso, assunto de cada confissão.
A lei recentemente aprovada estabelece que o ensino religioso é parte integrante da formação básica de todo cidadão. Confundindo religião e cidadania, viola direitos, por exemplo, dos ateus e de todos os pais que entendam como seu direito educar seus filhos dentro de valores éticos universais, deixando que seu filho proceda à eventual escolha religiosa no futuro, já decidindo por si.
Ao vedar proselitismo às religiões, essa lei se mostra inconsistente, uma vez que o direito ao proselitismo, dentro de certos limites, que se referem aos direitos alheios, é parte do direito à liberdade de religião. Note-se que juristas classificam ensino religioso como parte do exercício desse direito ao proselitismo.
Ambígua, a lei propõe um ensino religioso que "respeite a diversidade cultural religiosa do Brasil", enquanto estabelece que as diversas "denominações religiosas" deverão agregar-se a uma única entidade civil, que será interlocutora dos sistemas de ensino.
Flagrante ameaça ao direito à livre associação, esse dispositivo, por si, fala de uma pressão feita à sombra e no sussurro, tentando impor crenças e associações, obstaculizando o livre-pensar e a livre expressão em nome da fé.
Quanto à questão psicológica e pedagógica, vale imaginar como o aluno do ensino fundamental -na faixa dos 7 aos 14 anos- conviverá com essa, chamemos assim, abordagem universal das religiões, financiada pelo poder público, por sua inusitada responsabilidade de definir conteúdo e admissão de professores de religião.
Será a criança de sete anos que dirá a seus pais que conheceu Buda, por intermédio de Maomé, quando soube que a força da Trindade se manifestava em Tupã, ainda que os índios não tivessem sido avisados, o que seria apenas um detalhe. Mais ainda, que de Moisés veio o ensinamento de como Jesus um dia viria, mas que o Espírito Santo não esperou e chegou antes, quando as Forças Ancestrais se manifestaram com Xangô, criando a "Religião Universal do Estado Brasileiro".
Enquanto isso, a ciência e a escola terão seu papel esmaecido, e o direito à liberdade de crer, de decidir como e em que crer, ou não crer, devido a todo e cada cidadão, estará ameaçado.

Texto Anterior: NETVÍCIO; PARQUE JURÁSSICO; SINTONIA FINA
Próximo Texto: Espiritualidade e cidadania
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.