São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 1997
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Lições do abismo

LUÍS PAULO ROSENBERG
HÁ VÁRIAS LIÇÕES A TIRAR DA QUEDA DA BOLSA DE NOVA YORK.

A primeira lição é que o quadro macroeconômico estava melhorando, enquanto o índice Dow Jones despencava cerca de 7%. Os números sobre a evolução da inflação saíram bem mansos, os indicadores do nível de atividade econômica não indicavam aceleração perigosa e o desemprego manteve-se estável.
O próprio reajuste das cotações entre o dólar e as demais moedas fortes foi positivo, na direção de eliminar distorções acumuladas nos dias anteriores.
Ou seja, as ações podem entrar em queda livre mesmo enquanto a economia norte-americana estiver demonstrando vitalidade invejável.
Como decorrência, deveríamos tirar a segunda lição: a Bolsa é roleta, nada tem a ver com fundamentos?
Certamente não. O que provocou a queda da Bolsa foi uma mudança de ênfase na leitura que os investidores vinham fazendo do quadro geral.
Assim, os fundamentos microeconômicos deterioraram-se no período. Grandes empresas já avisaram que os lucros deste trimestre ficarão abaixo das expectativas. Coca-Cola, na semana retrasada, e Gillette, na semana passada, foram os destaques de decepção.
Ademais, a greve na maior empresa privada de despachos está melindrando os investidores mais nervosos. De fato, uma das maiores empregadoras daquele país está em conflito de tudo ou nada com o maior sindicato do país, o dos motoristas. Se o sindicato ceder, terá sofrido uma das maiores derrotas de sua história; se a UPS ceder, poderá estar se inviabilizando a médio prazo.
Mais um exemplo patente da vulnerabilidade das economias de mercado: uma empresa mal gerida -na qual os dirigentes são os principais acionistas-empregados-, que explora seus motoristas, e um sindicato forte, com uma atuação política muito consciente, produzem uma crise que já está envolvendo até o presidente, por meio da participação do ministro do Trabalho nas negociações, e deteriorando as expectativas econômicas.
Mas há mais para explicar o clima vendedor que se instalou em Nova York. A crise na Ásia não vai embora. Além da deterioração contínua de Tailândia, Malásia e Indonésia, agora é Hong Kong que passa a ter sua moeda atacada, pois os investidores acreditam que sua desvalorização, após o ganho de competitividade obtido pelos demais países da região, é inevitável.
Eis aí, portanto, a segunda lição: mesmo que os fatores fundamentais estejam majoritariamente favoráveis, há sempre alguns deles evoluindo no sentido contrário. Basta que os agentes econômicos atribuam maior importância a estes para a reversão ocorrer.
A terceira lição é a resposta para a seguinte indagação: e agora, para onde deve ir a Bolsa norte-americana?
Para qualquer lugar.
Pode continuar em queda por algum tempo. Afinal, com toda a queda da semana passada, sobravam ainda 20% de crescimento no ano. Investidores assustados com as perdas ocorridas podem resolver aprisionar o ganho ainda restante, vendendo suas posições.
Esse movimento de venda pode interromper-se ao atingir determinado patamar (10% abaixo do nível atual?) ou desencadear uma reação em cadeia, que levaria a perdas significativas.
O incrível é que um período de recuperação pode estar à vista. Basta que o mercado volte a reconhecer que a economia norte-americana vive seus anos dourados e volte a comprar com a mesma sofreguidão que se observava quando a Bolsa estava quase 10% mais cara.
O que nos conduz, portanto, à última e mais importante das lições: investimento em ações só faz sentido para quem tem uma visão de longo prazo, com tolerância para perdas eventuais.
Entra na Bolsa quem sabe que o país está evoluindo e suas empresas vão se beneficiar desse crescimento.
É uma aposta na prevalência da lógica. E que, por isso, pode levar algum tempo até ter sucesso. Entrementes, quedas são inevitáveis, mas transitórias, e os ganhos líquidos, recompensadores.

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